30/09/2014

Uma viagem pela incerteza

[Sónia Alcaso e a leitura de «Revolução Paraíso»]


"E, pelas oito da manhã, ouviram a Grândola Vila Morena entoar na frequência radiofónica. Teopisto e Precatado pausaram a mastigação das torradas com manteiga preparadas por Deodete e cantaram os versos daquela terra de fraternidade, onde o povo é quem mais ordena. A canção da terra onde há um amigo em cada esquina pôs-lhes as lágrimas a rolar pelos rostos pálidos. Escutaram o comunicado do MFA a anunciar o falhanço do golpe fascista e, lembrados de que aquelas rimas de Zeca Afonso haviam sinalizado o início da Revolução dos Cravos, abraçaram-se emocionados.
                                                                                      In Revolução Paraíso, Pág. 165


Este livro é uma viagem. Uma viagem a 1974 e 1975: pela certeza do já conhecido, pela incerteza do ainda desconhecido. E embarcamos nessa viagem, sabendo desde logo (porque este livro nos ensina) que a glória na chegada só depende da fé na partida, e lá vamos nós, com a Santíssima Trindade, com Adamantino Teopisto e César Precatado, com Deodete e Pandora, com Adão e Eva, com muitas outras personagens ficcionais e históricas e, acima de tudo, com a revolução. Em marcha voraz, pelas ruas do Cais do Sodré, pelas tascas, pensões e esquinas, pelas letras de um jornal refundado, para, também nós, escrevermos, revermos, compormos uma nova história para o país.

Paulo Morais sempre foi um homem de viagens. Dessas que nos fazem dar a volta ao mundo e das outras que se dão dentro de nós mesmos. Sempre soube reunir vontades tanto para ultrapassar ares e mares, como para vencer adversidades e barreiras. Um bom guerreiro, é o que Paulo Morais sempre foi! Um guerreiro faminto de lugares, vidas e acontecimentos. Desta vez foi graças à avó que nos levou a este período tão rico da nossa história. A próxima viagem esperemos que não tarde...





28/09/2014

Paredes, orgãos de cópula e sotãos

[Carla M. Soares e a leitura de «Revolução Paraíso»] 

Algum tempo depois de ter lido o Revolução Paraíso e, na sequência disso, ter conhecido o Paulo M. Morais, a minha filha mais velha precisou de imagens de murais para um trabalho da escola, com o qual se comemoravam os 40 anos do 25 de Abril. Não hesitei, pedi ao Paulo, com a certeza de que ele me indicaria frases fantásticas. Como poderia ser de outra forma, se tantas delas estão no livro?


A pesquisa de Revolução Paraíso é extensa, profunda e muito detalhada, sobre uma parcela recente da história de Portugal de que talvez só agora se tenha  distanciamento suficiente para se poder falar devidamente. Aqui, é retratada de forma pormenorizada, com as suas voltas e reviravoltas, os acontecimentos políticos e nas ruas, discursos, opiniões, vertentes, pinchações nas paredes e muita imaginação. O autor, que é jornalista, está de parabéns pela pesquisa cuidadosa e pela exposição de uma época que já sabia confusa... e me parece agora ainda mais. Não consigo conceber a quantidade de fontes documentais e outras a que terá recorrido para este seu trabalho e, confesso, quase lhe invejo a possibilidade. Com um sorriso, claro.

Uma nota em primeiro lugar para o local onde a história se desenvolve, o Cais do Sodré. Sendo muito nova no 25 de Abril e anos posteriores, não sei se há alguma relação particular entre o movimento e o local. Mas reconheço os nomes de alguns bares (o Jamaica, por exemplo) como locais que a juventude lisboeta e da linha de Cascais procurava muito de vez em quando para uma noite de copos e música, nos anos 80 e 90. Nessa altura frequentava-se o local em grupo e com cuidado, por coexistirem nos bares os jovens como nós, a prostituição e os (outros) maus costumes para além da bebida. O pessoal da minha idade saberá do que falo.

As personagens que se movem na Gazela Atlântica, onde se edita a revista Revolta, e à sua volta são igualmente provocatórias, os velhos espigados viajados pelas colónias, prostitutas, proxenetas, jovens revolucionárias irritadas e toda uma sorte de outras criaturas que com eles se relacionam de uma ou de outra forma. São pícaras, de inspiração em Eça, reconhecemos-lhes a mesma acidez bem humorada que nos pisca o olho ao falar verdade.  As imaginárias não hesitam perante as reais. Pelo contrário, dão-lhes alento. Eva, a mulher feita de letras, a que existe sem existir, chega a considerar o charme de personagens históricas da época, como Otelo Saraiva de Carvalho, com as quais convive no seu Sotão das Delícias… E que melhor metáfora para a cabeça, onde real e imaginário se confundem, onde nascem planos e histórias, do que um sotão?



Nada me fez sorrir tanto, porém, como a inclusão de algumas dessas frases que apimentavam a cidade de Lisboa na altura e que, com o tempo, foram lavadas das fachadas, a encerrar uma época quente e, quem sabe, irrepetível na nossa História. Se isso é bom ou mau, nem o Paulo esclarece.


25/09/2014

20 confissões proustianas de Paulo M. Morais

O meu maior medo:
Não ter medo da morte.

A característica que mais me desagrada em mim:
Ser demasiado transparente no que penso e no que sinto.

A característica que mais me desagrada nos outros:
Falta de carácter e segregação com base na cor da pele, orientação sexual ou estatuto social.

A pessoa viva que mais admiro:
A minha avó materna: 99 anos de uma vida marcada por infindáveis desgostos. E, no meio da amargura, ainda sabe rir.

A minha maior extravagância:
Gostos simples dão muito jeito em tempos de crise económica.

As ocasiões em que minto:
Guardo da minha mãe o conceito de “mentira branca” (uma mentira inocente, para evitar males maiores); mas não sei aplicá-lo.

O que mais me desagrada no meu aspecto:
Ainda estou para perceber como é que me habituei a gostar de não ter cabelo.

As palavras ou frases que uso em demasia:
Pois...

Quem ou o quê é o grande amor da minha vida:
Há vários tipos de amor. O amor por uma mãe (ou avó) é insubstituível. O amor por uma filha é incomparável. O amor por um amigo é inquebrantável. O amor por uma mulher é insuperável (...enquanto dura). O amor por uma utopia é interminável.

Quando e onde fui mais feliz:
Apesar de alguns “contratempos”, estou satisfeito com a última década. Espero que a seguinte seja, pelo menos, semelhante. Mas há espaço para melhorias em certas áreas...
O pôr de sol da Costa da Caparica

O talento que mais gostaria de ter:
Tocar um instrumento musical; acho sempre que já não vou a tempo e, por isso, nunca começo a aprender.

O que considero o meu maior feito:
Superar traumas e bloqueios para aceitar o desafio de ter um filho (e felizmente saiu-me uma filha...), e tentar diariamente ser um pai de passado, presente e futuro.

Onde gostaria mais de viver:
Passei muitas férias e fins de semana num apartamento dos meus avós paternos, na Costa da Caparica, de onde se via o areal, o mar, o farol do Bugio e os barcos no horizonte. A casa vendeu-se. Ficaram as saudades daquele pôr-do-sol e o sonho de um dia escrever frente a uma janela com vista para o mar.

O meu bem mais precioso:
A memória. Para relembrar os que já morreram e para criar e sustentar as personagens que ainda hão de nascer.

O que é para mim atingir o fundo:
Depende da geografia. Em Portugal pode ser uma pessoa ser considerada supérflua ou excedentária, ficar sem trabalho e, de repente, à falta de apoio, tornar-se num sem-abrigo. Mas se pensarmos na Índia, milhões de seres humanos lutam diariamente pela sobrevivência, numa miséria absoluta. Tirarem-nos a dignidade, seja onde for, é lançarem-nos para o fundo do poço.

A minha ocupação preferida:
Literatura e cinema. O futebol voltou a ter importância, ao recuperar o velho hábito de ir assistir aos jogos dos miúdos do clube local.

Os meus nomes preferidos:
Maria. Parece banal, muito por culpa dos ditos populares ou dos nomes apensos. Porém, isolado, tem uma força que talvez nenhum outro tenha.

O que mais me desagrada:
A incapacidade crónica do ser humano em alcançar consensos alargados que evitassem um mundo tão desnivelado em tantas matérias. Desagrada-me, por exemplo, que uns falem de milhões enquanto outros esgravatam tostões.

Um arrependimento:
Não ter tido coragens e confianças mais cedo na vida. Mas tudo faz parte de um percurso.

O meu lema:
Acredita no sonho. Depois trabalha, com afinco e humildade, para o concretizar. [Para ser transparente: este não é um lema pré-estabelecido. Contudo, isso não o torna falso. Saiu-me assim, agora, a expressar a vontade que me acompanha há vários anos]

23/09/2014

Um outro lado da Revolução

[Pedro Almeida Maia e a leitura de «Revolução Paraíso»]


Tal como o quase açoriano Paulo M. Morais, não vivi antes nem durante o ano de 1974. Talvez por isso me seja particularmente difícil imaginar o constrangimento anterior ao 25 de Abril, mas também o sentimento de libertação do Verão Quente, os meses que se seguiram à Revolução. Ler o Revolução Paraíso transmitiu-me exatamente isso: um sentimento de libertação a cada capítulo. O leitor sentir-se-á tão atraído como uma borboleta em direção à luz.

A história é um dédalo de estórias singularmente caricatas, que giram em torno da redação de um jornal, um sótão camuflado e uma Lisboa renascida. As personagens genialmente desenhadas têm personalidades contrastantes e deliciosamente realistas: Adamantino Teopisto, César Precatado, Manuel Ginja, Viriato, Deodete Machado, Raul, Pandora, Adão e Eva — porque estamos próximos do paraíso! E não se pode esquecer a fadista Amália, que afoga mágoas dos carenciados, pois o cariz carnal desta obra está inteligentemente entrosado: “Viriato granjeava sucesso entre as mulheres, atraídas pela figura alta e encorpada, o cigarro ao canto da boca como faziam os galãs de cinema, o bigode farfalhudo e o cabelo abundante a prenunciarem proezas sexuais” (pág. 65-66).

As qualidades de jornalista revelaram-se nesta obra, não só na dedicada investigação como na paixão impressa em cada frase, tal como o jornal que luta pela tiragem e pelos leitores, tentando revelar mais verdades do que apenas a data. Escrever sobre o 25 de Abril nunca será fácil para os não contemporâneos, mas o Paulo M. Morais inverteu o estigma, até porque a escrita não veio dele, mas através dele. Foi extasiante conhecer este lado da Revolução.

21/09/2014

Do Infinito Consolo das (Mulheres de) Letras

[Ana Saragoça e a leitura do «Revolução Paraíso»]

‘Das trevas de um desespero incomensurável espigou a invenção das mulheres de letras. Forjou-as como seres capazes de o acarinharem incondicionalmente e sem segundas intenções. Eram mulheres ansiosas por resgatá-lo àquele desgosto sem fim.
- Mulheres capazes de me recolherem no colo e afagarem o cabelo.’
Revolução Paraíso (págs. 219/220)


Comecei a aprender História nas paredes. Ainda não sabia que ela estava a acontecer à minha frente, mas não perdi pitada dos emocionantes desenvolvimentos diários dos primeiros tempos pós-25 de Abril. No banco traseiro do carro do meu pai, esborrachava o nariz contra o vidro e lia as paredes onde se exprimiam graficamente os embates de todas as facções em harmonia (soldados, camponeses e operários de braço dado numa caminhada de peito aberto em direcção a amanhãs cantantes) e em conflito (capitalistas de chapéu alto, casaca e narizes aquilinos, chupando enormes charutos e escondendo atrás das costas bombas iguaizinhas às dos Looney Tunes). E os símbolos: a foice e o martelo, a estrela vermelha, o punho erguido, a roda dentada, as três setinhas. E os galhardetes: comuna, facho, vira-casacas, burguês, reaça, bufo. E os slogans, cuja infinita variedade deixo à descoberta do leitor na prodigiosa compilação contida neste livro.

Ao contrário da minha mãe, geneticamente programada para o medo, eu achava tudo aquilo uma festa pegada, uma festa linda, tão linda que nos cartazes em que o PRP mandava ‘armar o povo’ eu lia sempre ‘amar o povo’. E os adultos eram uma fonte inesgotável de entretenimento. Não havia reunião de amigos ou familiares que não acabasse aos berros e aos murros na mesa: ‘Eu estive em África, pá!’ ‘Não foi para isto que se fez o 25 de Abril!’ ‘Era todos encostados à parede e fuzilados!’ – de repente, homens incapazes de matar uma mosca ficavam de cinco em cinco minutos a uma unha negra de se esganarem mutuamente, com as mulheres divididas em duas facções: as que gritavam para eles não se degraçarem e as que gritavam em incitamento, giríssimas como a Pandora do livro, de saias curtas, sapatos de plataforma, maquilhagem berrante e sempre sempre de cigarro em riste, céus, como eram giras aquelas mulheres e como eu sonhava vir a ser como elas.

Comecei a ler nos enormes jornais de parede do MRPP, gritos amarelos, vermelhos e pretos desenhados com uma precisão directamente contrastante com o ar descabelado dos seus autores. O amor pelas letras, que já vinha da primeira infância, cresceu exponencialmente ao vê-las saltar das páginas dos livros para as paredes da cidade. E até hoje é nas letras que reside a maior fonte de consolo e emoção e excitação que conheço.

Que tem isso a ver com mulheres de letras? Para saber isso terão de ler o livro do Paulo.

18/09/2014

Entre o Ramalhão e a Revolução

[tRaquel Serejo Martins e a leitura do «Revolução Paraíso]


Emocionado, considerou que os caracteres Helvetica assentavam lindamente às palavras. Reconfirmou a inexistência de erros e prosseguiu para a composição da segunda linha. Uma infinidade de braços metálicos, rodas dentadas, pinças e rolos, gerou um turbilhão de ruído. O maquinar ensurdecedor da Linotype, modelo 25, extravasou as divisórias de contraplacado e vidro fosco, enchendo o piso térreo da tipografia. Adão ritmou a digitação das 72 teclas, qual pianista clássico a atingir o momento mais intenso da partitura. Lia as palavras rabiscadas por Viriato numa folha de papel pautado sem reter o significado da frase. Soavam-lhe eivadas de um espírito poético; havia ali uma certa melodia que ajudava à aceleração do trabalho.
Aparentemente, a dança do operador com o complexo teclado continuara ausente de erros. A confirmar-se, era acontecimento raríssimo. O linotipista esperou alvoroçado que o engenho cuspisse a derradeira barra de caracteres cobertos chumbo. Enfileirou o conjunto de moldes e encaixou-os numa estrutura de metal. Conferiu o ordenamento das colunas e apertou as trancas. Martelou as linhas com um maço de madeira, nivelando os caracteres, e ouviu um “hurra!” vindo do exterior da cabina. Malhou com maior intensidade, pousou o maço e pegou na chave de ferro para apertar a moldura. “Estas já não caem”, pensou, ao conquistar o último milímetro aos ferrolhos. Levantou e girou a maçaneta da porta; deu-lhe um pontapé, fazendo-a deslizar, e saiu de bandeja entre mãos. Parecia um padeiro com uma fornada de carcaças acabadinhas de cozer.

Revolução Paraíso (pág. 17)


Assim começam os trabalhos para a edição da nova Revista de Portugal, talvez a primeira evidência da dialéctica Queirosiana que atravessa o livro, porque o nome da revista tem por base o livro que n’Os Maias, Carlos da Maia e João da Ega queriam levar a estampa, e num tempo de mudanças aceleradas, e em menos de 100 páginas a Revista de Portugal passa a A Revolta.
Assim, quase!, começa este livro que acabo de ler.
Assim nos leva o autor para um tempo, o 25 de Abril, concretamente para os meses que se seguiram, meses que para a história ganharam o epíteto de Verão Quente, e para um espaço concreto, a Lisboa da Travessa dos Remolares ali para os lados do Cais do Sodré, o que faz com que ao romance lhe assente bem o rótulo de romance histórico, tanto mais que o autor não descuida esse lado, que o mesmo é dizer a agitação revolucionária do momento, que um jornal tem de estar em cima dos acontecimentos!, pelo que no tocante à não-ficção é de salientar o trabalho de pesquisa e investigação, a que não deve ser alheio o facto do referido autor ter formação em jornalismo.
Porém, sobre o tempo e o espaço, as personagens, Adamantino Teopisto, César Precatado, Dona Deodete Machado a canina secretária, e até aqui a Santíssima Trindade, Manuel Ginja o revisor, Adão da Purificação o impressor, Raul, Viriato, Pandora, a estagiária ou a esperança em estágio, Amália fadista muda, ou outro o fado, e Eva, um camaleão no sótão, sem paraíso!
E a cada personagem a sua história, a pequena história, a história comezinha, as personagens tão bem fabricadas, as personagens pãezinhos quentes prontos a comer, o autor um delicioso contador de histórias. As personagens redondas, com nomes redondos como carimbos, a cada uma o intrínseco simbolismo do nome de baptismo apesar de a cada leitor a sua Eva.
E mais não digo, apenas deixo o convite, mordam a maçã, que o mesmo é dizer, peguem no Revolução Paraíso e deixem-se morder!


14/09/2014

Revolução em cruzadas

O blogue Palavras Cruzadas, de Paulo Freixinho, inspirou-se no nosso livro do mês para umas palavras cruzadas revolucionárias.


Espreitem, imprimam e divirtam-se!



09/09/2014

perfil de Paulo M.Morais

[texto de Cristina Drios]


fotografia de Hervé Hette
Conheço pouco o Paulo. Mas gosto do que conheço.

O (des)conhecimento leva a estranhas associações: vejo um daqueles locais arqueológicos remotos, há muito reclamados pela selva e onde, no meio de todos os templos derrubados pela inclemência dos séculos, surge à luz do poente, a solidez de uma única coluna ainda erguida. Foi esta a imagem que me veio à cabeça quando comecei a pensar em como iria abordar a difícil tarefa de escrever o “perfil” do Paulo. E é assim que, ouvidos relatos na primeira pessoa, depois de alguma convivência e cumplicidade, o vejo. O pilar que resta incólume depois de tudo ruir à volta. Ou seja, alguém em quem se pode absolutamente depositar a dádiva da confiança. 

Conhecemo-nos porque amigos comuns acharam curioso termos publicado o nosso primeiro livro em 2013, quase ao mesmo tempo: o meu com lançamento a 9 de Abril, o do Paulo a 19 de Abril. Da comunhão de ser novato na função de escrever e publicar romances – porque o Paulo vem de outras escritas, o jornalismo – nasceu uma curiosidade, depois da curiosidade uma empatia, e logo a inevitável amizade. Mas sobre isso não me alongarei: podem reler o maravilhoso texto do Paulo “Uma Coisa Sem Importância Aparente” publicado aqui no blogue há uns meses.

fotografia de Paulo Pires
Como outros marujos desta NAU (curiosa particularidade, ou talvez nem tanto, em tratando-se de escritores), também o Paulo guarda debaixo da sua inata sociabilidade uma forma muito peculiar de se virar para dentro que, citando o perfil escrito pela Carla (M. Soares) sobre a Ana (Saragoça), “os que se viram para dentro adivinham uns nos outros”. E, acrescento eu, respeitam uns nos outros. Partilhar silêncios é talvez uma das coisas mais difíceis, sobretudo entre pessoas que mal começaram a conhecer-se. Com o Paulo, já partilhei longos silêncios entre paisagens contemplativas ou quilos de sacas de favas para descascar. Não há nada mais extraordinariamente belo e raro numa amizade.  

Porém, dentro dos silêncios, há um mundo fervilhante, denso e quase tumultuoso que se esconde por debaixo das águas seguras e tranquilas em que se lhe movem os gestos. A determinação e a resiliência de quem sabe qual é o caminho a trilhar e não abdica do sonho face às dificuldades, sempre com o seu apurado sentido de humor, são uma inspiração e um exemplo. E esse mundo está nas suas personagens, nos seus textos, nos seus romances, no “Revolução Paraíso” e nos que, a publicar em breve, a sua generosidade já me permitiu ler. Não deixem, portanto, de entrar nesse mundo, lendo-o!

Ainda conheço pouco o Paulo. Mas sei que vou gostar cada vez mais do que conhecer. 


     

04/09/2014

livro do mês: Revolução Paraíso

O Colectivo está de volta, com novo livro do mês.

Mário de Carvalho apontou-lhe, no Diário de Notícias, a prosa bem estruturada e o humor pícaro. A Visão considerou-o "um livro singular". Miguel Real, no balanço do Jornal de Letras, viu nele um dos exemplos da "agilidade sintática do frasear urbano pertinente a este novo século". Fala-se de «Revolução Paraíso», romance de estreia do timoneiro do mês, Paulo M. Morais, que recupera o período após o 25 de Abril numa história imperdível assente numa pesquisa sólida. 


Revolução Paraíso
(romance, 2013, Porto Editora)
Paulo M. Morais


Alternando realidade e ficção, um romance que nos transporta aos agitados dias da pós-revolução: o retrato de um país que, entre o PREC e as eleições livres, procura um novo rumo.
Enquanto nas ruas se decide o futuro de um país, na tipografia de Adamantino Teopisto vive-se um misto de enredo queirosiano, suspense de um policial e ternura de uma novela: com sabotagens, amores proibidos e cabeças a prémio; tudo num ambiente de revolução apaixonado.
O rebuliço generalizado tem repercussões no alinhamento do jornal e no dia a dia das gentes de São Paulo e do Cais do Sodré.
A revolução é o tópico das conversas nas tascas, nas ruas, no prédio da Gazela Atlântica, contribuindo para o exacerbar das tensões latentes entre o patrão Adamantino e os funcionários. A vivacidade de uma estagiária, as manigâncias de um ex-PIDE foragido, os comentários de um taberneiro e as intromissões de um proxeneta e de uma prostituta, agravam ainda mais a desordem ameaçadora que paira no ar.
Nada foi igual na vida dos portugueses após a Revolução dos Cravos. Nada foi igual na vida da "família" Gazela Atlântica após o 25 de Abril.