31/01/2015

O quarto Raimundo

O quarto Raimundo, desses que viram muito mundo ou talvez não, já navega nas letras. Este é da autoria de Carla M. Soares.

Podem lê-lo no site Das Letras, e gostar ou não. É seguir a ligação aqui:





22/01/2015

Aconteceu ou não

[a leitura de Esta Noite Não Aconteceu por Cristina Drios]

“Se eu não fosse escritora e não pusesse no papel os seus sentimentos, tornar-me-ia, provavelmente, uma criminosa. (...) Mas é só nos livros que cometo crimes, juro; contar histórias foi o refúgio que descobri para escapar às ideias horríveis que tantas vezes me passam pela cabeça.”
in “Esta Noite Não Aconteceu”, pág. 157.

Aconteceu ou não, pergunta-se o leitor, ao fechar a última página deste romance que se lê de um só fôlego, ao ritmo quase frenético dos acontecimentos que enredam quatro personagens: uma escritora de romances cor-de-rosa que almeja mudar, um jornalista que afinal não é só o que disse ser, um criminoso violento que se releva um bom pai e um  polícia reformado apanhado num vórtice a que é alheio...

Acontecer ou não acontecer, eis a questão. Qual é a fronteira entre realidade e ficção? Que linha separa a escritora inventada da escritora real? A ficção será apenas um refúgio para a escritora inventada? E para a escritora real, será uma realidade paralela em que, de facto, existe tanto quanto as suas personagens? É que, afinal, no caso da escritora inventada, descobrimos que a realidade é apenas ficção... Confusos? Nem tanto! A contracapa fala-nos de “um romance empolgante e carregado de acção” mas “Esta Noite Não Aconteceu” é muito mais, é um livro com camadas de  profundidade que, tal como cada hora da noite em que se desenrola, trazem um matiz diferente que se sobrepõe ao anterior. Cabe-nos a nós, leitores, fazer acontecer ou não...










18/01/2015

Enred(ad)o

[a leitura de Esta noite Não Aconteceu por Carla M. Soares]


Há pessoas que vivem toda a vida como jogadores a quem a sorte sorri continuamente. Rosário Toledo sentia-se assim e, mais uma vez, o acaso pusera-lhe na mão a peça que lhe permitiria completar o seu puzzle...
pág 95




E nós, leitores, somos jogadores neste jogo? Que linhas seguimos neste labirinto de palavras e intenções? Que que peças nos são oferecidas?

Muitas, e soltas, com esquinas que não encaixam. Colidem asperamente e causam estranheza. Até que uma se move dentro da intriga e as outras vão caindo nos seus lugares, as arestas cortantes mas afinal coincidentes, no espaço curto de uma noite que não aconteceu. Ou aconteceu. Ou ambas as coisas. 

E se, no espaço de uma noite, todas as linhas cortadas abruptamente no nosso percurso viessem enredar-nos? Todas as nossas insuficiências? As nossas culpas, os nossos fantasmas, as consequências das nossas escolhas, as nossas perdas? E se nessa noite os outros da nossa vida, os que são da nossa vida mas não estão na nossa vida, nos batessem à porta a lembrar o que muito fizemos por esquecer? E se fosse negro o esquecimento? Se fosse assim, quando duraria cada hora? E se nada disto fosse senão ficção? 


É por isso que são muitas e longas as horas em Esta Noite Não Aconteceu, como são muitas e obscuras as peças do quebra-cabeças de uma realidade que não o é. Ou é. Nem a história de cada um, nem cada um são reais ou irreais: nem a escritora elegante de literatura light que já não deseja sê-lo, nem o jovem jornalista de intenções ocultas, nem o assassino ou a vítima que o serão ou não.  

Como sempre é na escrita, neste livro, tão pequenino, tão enredado e escondido como a jovem da capa, tão bom de ler, as palavras criam uma realidade completa dentro de si mesma. Nem verdade, nem ficção. 

15/01/2015

Sónia Alcaso: furacão dos sentidos

[Paulo M. Morais traça o perfil de Sónia Alcaso]

Devo conhecer a Sónia Alcaso talvez há uns 15 anos. Muito antes, portanto, de termos escrito livros. Então quem poderei eu perfilar: a pessoa que se tornou uma amiga ou a pessoa que se tornou uma escritora? E o que interessará mais a quem ler estas linhas?

Tento encontrar um terreno comum para traçar este perfil e encontro as palavras. A nossa amizade criou-se, inicialmente, por causa das palavras. É que os primeiros olhares que trocámos, num local de trabalho, foram de desconfiança: eu já lá estava, ela aparecia como a intrusa. Depois, algures, sem saber precisar bem quando ou como, descobri que aquela Sónia, a Alcaso, escrevia. Sim, ela escrevia frases, parágrafos, textos muito belos. E também lia. Lia muito. E fez-me ler. Já com a amizade a ser instaurada através de palavras escritas e faladas, lembro-me de que ela me ofereceu “A Náusea”, do Jean-Paul Sartre. Com dedicatória, claro está, que a escrita tinha de estar colada à leitura.

Perguntei-lhe para este perfil o que ela encontra na leitura que não existe noutra coisa. Ela respondeu-me: «A imaginação, os sonhos, essas outras vidas ocultas que todos temos e nem sempre se vêem. Os livros mostram.» E depois perguntei-lhe ainda o porquê de escrever. «Porque, citando Faulkner, ‘é a minha vida secreta’». E acrescentou que para escrever mais lhe falta «conseguir mais solidão».

E aqui entro eu, o amigo, a saltar 15 anos até ao presente, para dizer que a Sónia Alcaso é muito mais do que palavras lidas e escritas em solidão. Quero chamar-lhe um furacão de vida, mesmo que soe a lugar-comum, por saber que ela já suportou e superou momentos complicados, sustentando-se numa força interior enorme. Porque lhe reconheço uma paixão e pulsão por viver, viver a sério, que é rara. E também porque a nossa relação não se limita ao politicamente correcto, às palmadinhas nas costas, aos silêncios para não melindrar. Entre nós dizemos o que precisa ser dito. Divergimos, contrariamos, criticamos, a maior parte das vezes por palavras faladas, face a face, apesar de gostarmos tanto das palavras escritas.

Esse é o outro lado da Sónia Alcaso. O da mulher que quer estar na vida com todos os sentidos. Que quer sair do seu refúgio, da sua “solidão” de escritora, para ver pessoas, para sentir o cheiro das ruas, para comer bolos numa pastelaria. Neste perfil não podiam faltar os nossos cafés. Mesmo espaçados, são esses encontros que delimitam a nossa amizade. E essa foi a minha terceira e última pergunta para este texto: o porquê de ela ter uma certa aversão à interacção através das redes sociais? E ela, por palavras escritas, assegura-me que não tem qualquer resistência à tecnologia que, sem margem para dúvidas, «fez o mundo avançar, a passos gigantes». Então? «Só me chateia que a comunicação entre as pessoas se esteja a transformar. As pessoas refugiam-se, cada uma em sua casa, e comunicam. Parece que já não precisam de se tocarem (comerem bolos juntas), de se ouvirem... vozes, um timbre de humanismo. A mesma tecnologia que facilita a vida, dilui a humanidade.»


Leram? O sabor do bolos. O contacto de peles. O timbre das vozes. E tudo isso formulado com palavras tão belas. Eis o que, para mim, se tem nos melhores momentos da escritora Sónia Alcaso: a descrição certeira das sensações da vida, quer seja uma mulher a ter um orgasmo ou um homem a saborear um pastel de nata.

Estou convicto que os homens que guardem cartas de amor escritas pela Sónia, volta e meia pegam nelas para sentir o perfume da vida vivida. Eu, admirador confesso deste furacão (diferente de mim em tantos aspectos), gosto especialmente desta amizade prolongada, marcada pelos abraços à porta duma pastelaria, já de olhos postos nos bolos que vamos comer entre as conversas onde partilhamos as nossas vidas. E, nos hiatos desses encontros (onde tanto nos instigamos a continuar a escrever, apesar de todas as dificuldades), lá fico numa ânsia de que ela me dê, a mim e aos outros leitores, mais palavras em livro.

13/01/2015

A Flor do Meu Segredo

[a leitura de Esta Noite Não Aconteceu por Ana Saragoça]


Eu escrevi durante anos o que achei que as pessoas queriam ler, mas sinto-me cansada. Sei que posso ir mais longe. E para isso vou usar as minhas próprias memórias como ficção. E a minha própria vida como tema.

Esta Noite Não Aconteceu, página 73


Palavras de Rosário Toledo, cujo nome e ofício se associaram de imediato na minha mente à protagonista de um longínquo filme de Almodóvar. A memória do filme já está muito esbatida, mas ambas, Leo e Rosário, são prisioneiras do próprio sucesso como autoras de romance cor-de-rosa, ambas são frias e impiedosas, ambas têm um segredo monstruoso, ambas são cegas à realidade mais próxima, ambas são infelizes, e ambas são inventadas. Se são inventadas por si próprias ou por um realizador espanhol e uma escritora portuguesa, isso é secundário, até porque, tendo tanto em comum, são totalmente diferentes. O principal é que por trás do rosa mais vivo se esconde muitas vezes uma alma mergulhada na mais negra escuridão.

Tal como os passageiros frequentes passam por cima das instruções de segurança do pessoal de cabina dos aviões, assim os leitores batidos saltam enfastiados a tal ladainha de abertura nos livros: ‘Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com factos ou pessoas reais é mera coincidência.’ E fazem bem, porque é uma das mais cabeludas mentiras da literatura de todas as cores. Quantos de nós não se encontraram já retratados nas letras de um autor que nem sequer nos conhecia, que era mesmo pessoa para ter morrido umas valentes décadas antes da nossa vida ao mundo? Mera coincidência? Não. Acontece apenas que muitos dos nossos segredos mais íntimos já existiram em outros seres, que a seu tempo foram detectados por algum escritor.


Quanto ao que esta noite aconteceu, ou não aconteceu… isso é a flor do segredo da Sónia Alcaso. 

11/01/2015

12 horas nocturnas


- Sim, eu sei, mas o que quero que me diga é se há alguma distinção entre a Rosário Toledo escritora e a pessoa. Podemos falar numa existência real e numa existência literária?
- Sim, claro. Quando estou a escrever um livro, vivo a meias entre a minha “existência real”, como disse, e a imaginária - o romance. Mas, às tantas, é inevitável acabar por fundir as duas.
- Isso quer dizer que não tem um quotidiano independente da sua actividade como escritora?
in Esta noite não aconteceu, de Sónia Alcaso (pág. 32)




Sei qual a resposta da personagem, não sei qual a resposta da autora, porém desconfio, provavelmente por sentir na pele as mesmas contingências, por ser a autora jornalista e escritora, os dias com dois trabalhos, o compromisso da escrita, a falta de tempo, a urgência dos afazeres, a pausa imaginária para café com as personagens, as conversas no metro, enquanto se estende a roupa, debaixo do chuveiro.
E Esta Noite Não Aconteceu, é um livro que nos enfia por 12 horas, se 8 horas de sono um dia inteiro, na vida de 4 personagens, uma escritora, um jornalista, um assassino, um polícia, dois pares perfeitos para dançar no salão.
O leitor dança?
12 horas nocturnas, sendo de incluir no adjectivo mentiras, encontros e desencontros, recordações, recriminações, abusos, máscaras, violência e sexo.
12 horas nocturnas até que a luz do dia nos mostra que nada é o que parece, ou ao contrário, pois no fim a sensação de desconforto por não saber o que foi real e o que foi ficção.

07/01/2015

Livro do mês - Esta Noite Não Aconteceu,

Aconteceu ou não aconteceu?

Aconteceu, e bem! A prová-lo está o misterioso livro deste mês, da timoneira Sónia Alcaso

Que poderá acontecer a quem anseia desesperadamente ser rico e famoso e se dispõe a vender a alma para o conseguir? Ao início de uma noite de temporal, Rosário Toledo, uma famosa autora de romances, encontra-se num bar de hotel com um jornalista perverso e calculista, disposto a acertar contas com o seu passado. Na outra ponta da cidade, um assassino chamado Vicente Pedras poupa inesperadamente a vida a um polícia atormentado, criando-se entre ambos uma estranha empatia que os levará a eleger essa noite como a de todas as vinganças - vinganças que incluem, entre outras, o castigo exemplar de uma mulher que abandonou o mercenário há muitos anos. esta noite não aconteceu é uma viagem ao interior sombrio de quatro personagens ao longo de doze horas, durante as quais assistiremos a uma espiral alucinante de encontros e desencontros, recordações e mentiras, abusos, recriminações, violência e sexo desenfreado; mas, à medida que a noite dá lugar à manhã, as máscaras cairão, uma por uma, mostrando que, afinal, nada é o que parece. Um romance empolgante e carregado de acção que nos surpreende da primeira à última página.