07/07/2015

Folclore Materno


Entre uma mãe e um filho                                                                     
um coração a bater fora do corpo
um novo horto,
os perigos, os medos, os sustos,
a falta de cartilha e solidão nenhuma.
O amor a tender para infinito
e a tentativa de explicar o amor ao mundo,
como se o mundo não soubesse,
quando o mundo está cansado de saber
ou não fosse assim desde que  o mundo é mundo.

Entre uma mãe e um filho,
uma erudição doméstica
feita em segredo, um camaleão invisível,
a roupa lavada, a cama feita, a mesa posta,
beijos nos dedos dos pés,
beijos nas pálpebras,
gestos milenares repetidos, tecidos
ao som de ancestrais sons de embalar.
E embalado o tempo passa,
tudo medra, cresce, envelhece,
o tempo sem ciência nem mistério,
e apesar da transparência tudo etéreo.


Entre uma mãe e um filho
a insolência da adolescência,
os dois sócios de uma empresa em aparente falência.
Sem cordão umbilical, o novo corpo quase do tamanho do original,
mais iguais os gestos, o nariz, a teimosia,
os afectos do avesso e saudades do menino travesso.
A mãe uma harpia, um novo léxico agora sem poesia,
palavras-pedra-granada-explosão,
contra um caduco vocabulário íntimo,
contra um sempre para teu bem
em todas as bocas de mãe.
Depois, porque as mães todas iguais
ou porque mãe há só uma,
nove luas e repete-se a aventura,
as palavras, como aves de migração, regressam às bocas
apesar da prévia promessa imprudente de que seria diferente.

(The Pugilist, Foto: Tracie Taylor)



Poema da escritora e maruja RAQUEL SEREJO MARTINS que fermentou e passou para o papel na sequência da leitura do livro Quando Fores Mãe Vais Ver da escritora e timoneira deste Abril ANA SARAGOÇA.