Entre uma mãe e um filho
um coração a
bater fora do corpo
um novo horto,
os perigos, os medos, os sustos,
a falta de
cartilha e solidão nenhuma.
O amor a tender
para infinito
e a tentativa de
explicar o amor ao mundo,
como se o mundo
não soubesse,
quando o mundo
está cansado de saber
ou não fosse assim
desde que o mundo é mundo.
Entre uma mãe e
um filho,
uma erudição
doméstica
feita em
segredo, um camaleão invisível,
a roupa lavada, a
cama feita, a mesa posta,
beijos nos dedos
dos pés,
beijos nas
pálpebras,
gestos milenares
repetidos, tecidos
ao som de ancestrais
sons de embalar.
E embalado o
tempo passa,
tudo medra,
cresce, envelhece,
o tempo sem
ciência nem mistério,
e apesar da transparência
tudo etéreo.
Entre uma mãe e
um filho
a insolência da
adolescência,
os dois sócios
de uma empresa em aparente falência.
Sem cordão
umbilical, o novo corpo quase do tamanho do original,
mais iguais os
gestos, o nariz, a teimosia,
os afectos do
avesso e saudades do menino travesso.
A mãe uma
harpia, um novo léxico agora sem poesia,
palavras-pedra-granada-explosão,
contra um caduco
vocabulário íntimo,
contra um sempre
para teu bem
em todas as
bocas de mãe.
Depois, porque
as mães todas iguais
ou porque mãe há só uma,
nove luas e repete-se
a aventura,
as palavras,
como aves de migração, regressam às bocas
apesar da prévia
promessa imprudente de que seria diferente.
(The Pugilist, Foto: Tracie Taylor)
Poema da escritora e maruja RAQUEL SEREJO MARTINS que fermentou e passou para o papel na sequência da leitura do livro Quando Fores Mãe Vais Ver da escritora e timoneira deste Abril ANA SARAGOÇA.
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