[texto
de Carla M. Soares]

Não sei nada sobre a
vida da Ana. Fiquei de lhe tirar o retrato, e para lhe tirar o retrato se
calhar devia ter-me encontrado com ela outra vez. Feito perguntas, como
jornalista a sério, munida de gravador. Ou ao menos papel e lápis. Mas não
quis. Porque quis este retrato a partir da mulher que encontrei duas vezes
apenas – a mulher, a autora, o que quiserem. Fogo no cabelo, recato no gesto, e
pelo meio a imaginação.
Da primeira vez que
nos encontrámos éramos muitos. Sete,
para ser mais precisa. Havia cabelos louros, castanhos, uns brancos à mistura,
até uma careca. Mas ruivos, assim fogosos, só os dela. Riso aberto, mas eu,
tímida, adivinhei-lhe a timidez. Uma certa maneira de virar-se para dentro que
os que se viram para dentro adivinham uns nos outros. Posso estar errada mas
não quero, porque o que escondemos é muitas vezes o melhor. Na Ana, adivinho,
adivinhei antes de ter lido a sua
pequena pérola, um dentro muito maior que um fora. Mulher de força a
enfrentar tempestades, que são muitas vezes tempestades o que os dias têm para
oferecer. Tempestades, bonanças, novas tempestades.
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fotografia de Mário Pires |
A segunda vez foi na
Feira do Livro, eu em sessão de autógrafos, coisa desgraçada, ela de visita,
com as duas crias – o mais velho a cara da mãe, sem os cabelos ruivos, a mais
nova a menina linda que queremos todos. Eu tenho uma, mas maior. Os dois a
simpatia da mãe. Foi toca e foge, ficou
a vontade de mais tempo de conversa.
É alentejana, sim, de
gema, e depois de alentejana foi actriz, e ser actriz ajudou-a a apanhar os nossos
tiques. Nossos, portugueses, humanos. Aprendeu com quem tinha para ensinar,
outros escritores, dos bons, outras escritas. Depois de ser actriz, depois de
aprender, depois de ter a sua voz, escreveu este Todos os Dias São Meus, é
preciso ler, é preciso lê-lo, e depois desse Quando Fores Mãe Vais Ver. Entre
os dois, diz, descobriu que ser escritora era importante. Que ser escritora lhe
dava prazer. Quase físico, quase sexual. É escritora, sim senhor, digo eu, que
sou leitora.
Olá :)
ResponderEliminarA escrever um livro seu, a escrever poemas no monster blues ou até prosa e a escrever no Colectivo Nau, é incrível como a escrita da Carla é tão característica. :)
Mais incrível ainda é, apenas encontrando Ana Saragoça duas vezes, conseguir fazer um retrato tão profundo e belo como este. Fica aqui uma curiosidade de um dia conhecer esta autora e também de ler um livro da sua autoria.
Boas viagens,
Rosana
http://bloguinhasparadise.blogspot.pt/
Pois conhecendo já a escrita da Carla, reveladora e envolvente, mas também tímida, e por isso impressionante, não tenho como duvidar da sinceridade deste retrato, que só podia ser feito por uma leitora-escritora, tão fascinante uma quanto a outra! A verdade é que uma vez mais a sua escrita funcionou e fiquei com mais uma sugestão de leitura para breve... Obrigada, Carla. Obrigada Ana Saragoça.
ResponderEliminarMC