17/07/2014

a soma dos pequenos nadas

[Raquel Serejo Martins e a leitura de «Todos os Dias São Meus»]

«A sorte deles é que eu não sou de falar da vida de ninguém, que se eu contasse o que sei, ele nem a presidente da junta chegava, quanto mais a ministro.»
Todos os Dias São Meus (pág. 30)

E a nossa sorte é que a Ana Saragoça é de contar assim, ao detalhe, a vida ou os dias das personagens, personagens ligadas por tijolo e betão, porque todas residentes ou assíduas no mesmo prédio.
E, do rés-do-chão ao telhado, vamos sabendo sobre estes peculiares moradores, à lupa somos todos peculiares, um pecúlio ou pé-de-meia, de esquisitices, de curiosidades, de cismas, de medos, de ressentimentos, de frustrações, de afectos, de solidões, o que ao longo da narrativa faz de carne e osso as personagens e enfia o leitor dentro do imóvel porque todos temos ou tivemos vizinhos assim.
Um livro que é também um policial (será um policial?), há um homicídio, um detective, testemunhos e suspeitos. Revela o criminoso e o seu fim, um fim curioso, a autora a léguas da previsibilidade.
Um livro feito dos pequenos nadas que somados fazem dias inteiros, vidas inteiras.
Um livro escrito como eu gosto, com ironia e com poesia.
Um livro com um defeito, lê-se num sopro, faz parecer que o tamanho importa, porque sabe-nos a pouco, queríamos mais, continuar a leitura, sentimo-nos roubados, não escrever mais quando se escreve assim também é crime.
Ana Saragoça: Queremos mais!


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