[citações de «Os Olhos de Tirésias» escolhidas por Sónia Alcaso]
"Alvin Martin parou, sempre colado à lama como um
réptil, para retomar fôlego. Ficou imóvel durante minutos infindáveis. Depois,
com vagar, acocorou-se e, passado um longo momento, ergueu-se na escuridão,
meio corpo primeiro, todo junto depois. Ir e voltar. Voltar vivo. Voltar
inteiro. Avançou, a lama a engolir-lhe cada passo. Temia a própria temeridade,
não pelo desfecho do momento que para ele era de antemão sabido, mas porque o
medo criara dentro de si raízes tão fundas como aquelas à sua volta, enterradas
no lamaçal, mantendo de pé as árvores mortas. Um homem está sempre só, pensou,
que diferença faz?" (pág. 78-79)
Infantaria australiana em Ypres fonte: Wikipedia / Australian War Memorial |
Alvin Martin é uma das personagens de Cristina Drios que nos
entram pela alma dentro. E entram, enquanto grito, enquanto superação de um
corpo a falhar, replicado várias vezes noutros corpos que igualmente foram
devastados pela guerra.
Com Alvin Martin voltamos, também nós quase-mortos, a esse
cenário de luta e medo e solidão. Não há como ficarmos inteiro. Perdemos o
estômago e o coração. E, no entanto, são passagens como esta (imensas ao longo
d'Os Olhos de Tirésias) que nos fazem valorizar a vida. E este tempo que
vivemos que, bem vistas as coisas, é menos mau do que o tempo de Alvin. Ao dele
regressamos, vezes sem fim, nas palavras deste livro e dele saímos para
respirar, mas carregados de uma aprendizagem quase sem pausas. Obrigada,
Cristina!
"Os vultos moviam-se na noite como sombras chinesas, deixando Alvin Martin sozinho a vinte metros da trincheira inimiga, na mira do atirador, sem qualquer cobertura, só ele sabendo que um homem condenado à solidão dentro da sua pele nunca pode ser abandonado, porque não há partilha, não há forma de tocar em ninguém, nem com todas as palavras certas, aquilo que sente." (pág. 47)
"Os vultos moviam-se na noite como sombras chinesas, deixando Alvin Martin sozinho a vinte metros da trincheira inimiga, na mira do atirador, sem qualquer cobertura, só ele sabendo que um homem condenado à solidão dentro da sua pele nunca pode ser abandonado, porque não há partilha, não há forma de tocar em ninguém, nem com todas as palavras certas, aquilo que sente." (pág. 47)
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