[Paulo M. Morais e a leitura de «O
Intrínseco de Manolo»]
«E reviveram montes e vales, grutas
e fados cantados, incendiou-se Lisboa por ali, e veio outro terramoto, este sem
mortos nem marqueses, se bem que a gritaria calada por pudor nos fizesse
adivinhar, a todos nós que não estivemos lá, que Manolo e Maria estavam de novo
possuídos, nus, encharcados e gozando-se em sua estuporada simplicidade.»
O Intrínseco de Manolo (pag. 57)
Coro ao ler o livro do João Rebocho Pais. Não propriamente
por pudor, mas pela raiva do bem que ele descreve uma das coisas mais difíceis
da literatura: dois amantes a acasalarem. Viram a diferença entre nós os dois?
Acasalarem é linguagem de aula de ciências, onde se mostra como os coelhos
fazem coelhinhos. É preciso um “toque” especial para descrever o acto do amor
(mais outra definição para ir direitinha para o lixo...), para acertar em
palavras os cheiros, dimensões, particularidades dos corpos nus. É preciso um
dom para descrever o que eles fazem na cama (zás! mais um lugar-comum para mim).
Coro ao ler o livro do João Rebocho Pais. Porque os preliminares
estão obscenamente bem escritos, enleando-nos num jogo de palavras maviosas que
depois desembocam numa torrente orgástica (combinado, deixo de fazer
trocadilhos de índole sexual) que nos surpreende e abana. O João testa e
estilhaça os limites de como se fala de sexo num romance sem o tornar boçal e
abandalhado. E irrita a classe com que o faz, através de frases aperaltadas de casaco
e gravata, mas sem calças. E sem cuecas. No uso do palavrão, o João Rebocho
Pais parece-se assim à Tina: «Fodilhona, claro, mas avisada e poupadinha.» (pág.
128)
Temos aqui escritor capaz de proezas à altura de A Casa dos Budas Ditosos. E aí, coitado,
o João é bem capaz de poder deixar de sair à rua. É que se não forem as fãs a
dar cabo dele, serei eu, corado da cabeça aos pés. Porque a mim nem forçado me
sai a maneira como gostava de acabar este texto. Vou ter de pedir ajuda ao Manolo. E é sob a sombra e protecção do teu personagem que digo isto:
Olha, João, e se te fosses foder por escreveres tão bem uma foda?
Paulo ... Manolo está por certo contigo. É homem de dizer as coisas, a azinheira de as ouvir e o narrador, neste caso, aquiesce meio entupido. Conhece o autor e fica ruborizado também .. pela generosidade e ousadia com que recompensas um momento.
ResponderEliminarMuito bom!
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