Trincheiras na Flandres, na Primeira Guerra Mundial, em La Lys (1918) fonte: Wikipedia (scan de "História de Portugal" Vol VIII, Quidnovi) |
foi cavador de valas,
fazedor de trincheiras e,
quando calhou,
e calhou muito,
também maqueiro
e coveiro.
Era suposto ter sido neveiro,
pilão e sapa e nevoeiro.
Na Flandres o frio.
As madrugadas glaciais.
As ratazanas nas tocas.
O aconchego das meias de lã
dentro das botas.
As botas: a última coisa que um soldado perde,
a primeira: a compaixão.
Na Flandres o medo
a virar as pessoas do avesso.
A artilharia pesada sucedâneo de tempestade.
E depois da tempestade
não a bonança.
A terra em ruínas,
em silêncio.
E não silêncio,
um barulho surdo,
ensurdecedor.
Na Flandres o amor,
dois olhos azuis e um relógio.
O coração a bater como um relógio,
ou o relógio ao lado do coração
sem conseguir dizer que horas são.
Na Flandres nem figos maduros,
nem pássaros verdes.
O silêncio de ruínas.
O silêncio de corpos.
O frio maior,
e sobre tudo o Inverno: infinito.
Tudo tem seu fim, mesmo na Flandres!
Assim, inexoravelmente depois a Primavera,
e sobre a cal das sepulturas
papoilas a florescer aos molhos.
As hastes a tremerem na brisa.
As pétalas coradas pelo sangue vertido.
Que ao ler isto não chorem teus olhos.
Enquanto nos jardins de Lisboa,
aqui d’el-rei,
baixem a ponte levadiça,
guardas às seteiras,
sentinelas a postos,
às duas da tarde,
ao sol são sempre duas da tarde,
se morre melhor,
ou apenas,
de amor,
de tédio,
e de solidão.
Enfim, coisas que ninguém percebe ou vê,
ou Tirésias num banco de jardim,
de olhos nos turistas que passam.
Sem comentários:
Enviar um comentário