14/12/2014

O olhar de Raquel

[Sónia Alcaso traça o perfil de Raquel Serejo Martins]


Os olhos chegam-nos antes de tudo o resto. Raquel Serejo Martins tem uns olhos imensos, enigmáticos, que nos remetem para a ideia de pintura. Fixam-nos com gravidade e retenção semelhantes. Fazem jus à ligação que Raquel tem com a arte (as diversas artes fundidas) e que transporta para a vida num constante desafio à morte, como a história que se pode conhecer em “Pretérito Perfeito”, cheia de palavras vindas de dentro, que nos lançam num constante desassossego, num outro tempo talvez, mais lento, mais próximo do silêncio, da sombra, da solidão, da beleza e da impossibilidade da beleza. Mas não é para aí que vamos agora...

Vamos para Trás-os-Montes, onde Raquel nasceu e de onde herdou a garra das montanhas pardas que se viam da janela do seu quarto. É delas que, por vezes, sente falta em Lisboa e, sobretudo, da lareira, das frutas, do chão, do calor do Verão e do seu cheiro singular. Mas também falta nenhuma, porque, para onde quer que vá, basta fechar os olhos para Raquel reencontrar tudo isso dentro de si. Assim como muitas outras terras, porque são as paisagens que fazem os homens e Raquel alimenta-se delas; viagens pequenas ou grandes, a Costa da Caparica ou Pequim, sempre com amigos que a acompanham nestas itinerâncias.

Raquel tem a peculiaridade de estar na vida com uma atenção e curiosidade quase infinitas. Não nos surpreende, portanto, que se mude de universo e se fique a saber que mesmo sendo feita de palavras, que tantas vezes a consomem, lidas e escritas (autora dos livros "A Solidão dos Inconstantes" e "Pretérito Perfeito", Editorial Estampa), também lide com números e leis (economista, pós-graduada em Direito Penal Económico e Direito Administrativo; Inspectora Tributária a trabalhar na área criminal).

Importante mesmo (para ela e para nós que a lemos) é poder continuar a roubar tempo aos dias para escrever, mesmo que seja com uma disciplina completamente indisciplinada, a alinhavar frases sem obedecer a regras, durante três horas, duas horas, meia hora e, como ela mesma diz, com mãos de oleiro cego. No final, a obra faz-se e compensa; é ela que fica quando tudo o resto desaparece - as histórias, os livros, a desafiarem o tempo e os vendavais. 

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