[tRaquel Serejo Martins e a leitura do «Revolução Paraíso]
Emocionado,
considerou que os caracteres Helvetica assentavam lindamente às palavras.
Reconfirmou a inexistência de erros e prosseguiu para a composição da segunda
linha. Uma infinidade de braços metálicos, rodas dentadas, pinças e rolos,
gerou um turbilhão de ruído. O maquinar ensurdecedor da Linotype, modelo 25,
extravasou as divisórias de contraplacado e vidro fosco, enchendo o piso térreo
da tipografia. Adão ritmou a digitação das 72 teclas, qual pianista clássico a
atingir o momento mais intenso da partitura. Lia as palavras rabiscadas por
Viriato numa folha de papel pautado sem reter o significado da frase.
Soavam-lhe eivadas de um espírito poético; havia ali uma certa melodia que
ajudava à aceleração do trabalho.
Aparentemente,
a dança do operador com o complexo teclado continuara ausente de erros. A
confirmar-se, era acontecimento raríssimo. O linotipista esperou alvoroçado que
o engenho cuspisse a derradeira barra de caracteres cobertos chumbo. Enfileirou
o conjunto de moldes e encaixou-os numa estrutura de metal. Conferiu o
ordenamento das colunas e apertou as trancas. Martelou as linhas com um maço de
madeira, nivelando os caracteres, e ouviu um “hurra!” vindo do exterior da
cabina. Malhou com maior intensidade, pousou o maço e pegou na chave de ferro
para apertar a moldura. “Estas já não caem”, pensou, ao conquistar o último
milímetro aos ferrolhos. Levantou e girou a maçaneta da porta; deu-lhe um
pontapé, fazendo-a deslizar, e saiu de bandeja entre mãos. Parecia um padeiro
com uma fornada de carcaças acabadinhas de cozer.
Revolução
Paraíso (pág. 17)
Assim começam os trabalhos para a edição da nova Revista
de Portugal,
talvez a primeira evidência da dialéctica Queirosiana que atravessa o livro, porque
o nome da revista tem por base o livro que n’Os
Maias, Carlos
da Maia e João
da Ega queriam levar a
estampa, e num tempo de mudanças aceleradas, e em menos de 100 páginas a Revista
de Portugal passa
a A Revolta.
Assim, quase!, começa este livro que acabo de ler.
Porém, sobre o tempo e o espaço, as personagens, Adamantino
Teopisto, César Precatado, Dona Deodete Machado a canina secretária, e até aqui
a Santíssima Trindade, Manuel Ginja o revisor, Adão da
Purificação o impressor, Raul, Viriato, Pandora, a estagiária ou a esperança em
estágio, Amália fadista muda, ou outro o fado, e Eva, um camaleão no
sótão, sem paraíso!
E a cada personagem a sua história, a pequena história, a
história comezinha, as personagens tão bem fabricadas, as personagens pãezinhos
quentes prontos a comer, o autor um delicioso contador de histórias. As
personagens redondas, com nomes redondos como carimbos, a cada uma o intrínseco
simbolismo do nome de baptismo apesar de a cada leitor a sua Eva.
E mais não digo, apenas deixo o convite, mordam a maçã, que
o mesmo é dizer, peguem no Revolução Paraíso e deixem-se morder!
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