[Carla M. Soares e a leitura de «Revolução Paraíso»]
Algum tempo
depois de ter lido o Revolução Paraíso e, na sequência disso, ter conhecido o
Paulo M. Morais, a minha filha mais velha precisou de imagens de murais para um
trabalho da escola, com o qual se comemoravam os 40 anos do 25 de Abril. Não
hesitei, pedi ao Paulo, com a certeza de que ele me indicaria frases
fantásticas. Como poderia ser de outra forma, se tantas delas estão no livro?
Uma nota em
primeiro lugar para o local onde a história se desenvolve, o Cais do Sodré. Sendo
muito nova no 25 de Abril e anos posteriores, não sei se há alguma relação
particular entre o movimento e o local. Mas reconheço os nomes de alguns
bares (o Jamaica, por exemplo) como locais que a juventude lisboeta e
da linha de Cascais procurava muito de vez em quando para uma noite de copos e
música, nos anos 80 e 90. Nessa altura frequentava-se o local em grupo e com
cuidado, por coexistirem nos bares os jovens como nós, a prostituição e os
(outros) maus costumes para além da bebida. O pessoal da minha idade saberá do
que falo.
As personagens
que se movem na Gazela Atlântica, onde se edita a revista Revolta, e à sua
volta são igualmente provocatórias, os velhos espigados viajados pelas colónias,
prostitutas, proxenetas, jovens revolucionárias irritadas e toda uma sorte
de outras criaturas que com eles se relacionam de uma ou de outra forma. São pícaras,
de inspiração em Eça, reconhecemos-lhes a mesma acidez bem humorada que nos pisca
o olho ao falar verdade. As imaginárias não
hesitam perante as reais. Pelo contrário, dão-lhes alento. Eva, a mulher feita de
letras, a que existe sem existir, chega a considerar o charme de personagens
históricas da época, como Otelo Saraiva de Carvalho, com as quais convive no
seu Sotão das Delícias… E que melhor metáfora para a cabeça, onde real e
imaginário se confundem, onde nascem planos e histórias, do que um sotão?
Nada me fez
sorrir tanto, porém, como a inclusão de algumas dessas frases que apimentavam a
cidade de Lisboa na altura e que, com o tempo, foram lavadas das fachadas, a
encerrar uma época quente e, quem sabe, irrepetível na nossa História. Se isso
é bom ou mau, nem o Paulo esclarece.
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