28/09/2014

Paredes, orgãos de cópula e sotãos

[Carla M. Soares e a leitura de «Revolução Paraíso»] 

Algum tempo depois de ter lido o Revolução Paraíso e, na sequência disso, ter conhecido o Paulo M. Morais, a minha filha mais velha precisou de imagens de murais para um trabalho da escola, com o qual se comemoravam os 40 anos do 25 de Abril. Não hesitei, pedi ao Paulo, com a certeza de que ele me indicaria frases fantásticas. Como poderia ser de outra forma, se tantas delas estão no livro?


A pesquisa de Revolução Paraíso é extensa, profunda e muito detalhada, sobre uma parcela recente da história de Portugal de que talvez só agora se tenha  distanciamento suficiente para se poder falar devidamente. Aqui, é retratada de forma pormenorizada, com as suas voltas e reviravoltas, os acontecimentos políticos e nas ruas, discursos, opiniões, vertentes, pinchações nas paredes e muita imaginação. O autor, que é jornalista, está de parabéns pela pesquisa cuidadosa e pela exposição de uma época que já sabia confusa... e me parece agora ainda mais. Não consigo conceber a quantidade de fontes documentais e outras a que terá recorrido para este seu trabalho e, confesso, quase lhe invejo a possibilidade. Com um sorriso, claro.

Uma nota em primeiro lugar para o local onde a história se desenvolve, o Cais do Sodré. Sendo muito nova no 25 de Abril e anos posteriores, não sei se há alguma relação particular entre o movimento e o local. Mas reconheço os nomes de alguns bares (o Jamaica, por exemplo) como locais que a juventude lisboeta e da linha de Cascais procurava muito de vez em quando para uma noite de copos e música, nos anos 80 e 90. Nessa altura frequentava-se o local em grupo e com cuidado, por coexistirem nos bares os jovens como nós, a prostituição e os (outros) maus costumes para além da bebida. O pessoal da minha idade saberá do que falo.

As personagens que se movem na Gazela Atlântica, onde se edita a revista Revolta, e à sua volta são igualmente provocatórias, os velhos espigados viajados pelas colónias, prostitutas, proxenetas, jovens revolucionárias irritadas e toda uma sorte de outras criaturas que com eles se relacionam de uma ou de outra forma. São pícaras, de inspiração em Eça, reconhecemos-lhes a mesma acidez bem humorada que nos pisca o olho ao falar verdade.  As imaginárias não hesitam perante as reais. Pelo contrário, dão-lhes alento. Eva, a mulher feita de letras, a que existe sem existir, chega a considerar o charme de personagens históricas da época, como Otelo Saraiva de Carvalho, com as quais convive no seu Sotão das Delícias… E que melhor metáfora para a cabeça, onde real e imaginário se confundem, onde nascem planos e histórias, do que um sotão?



Nada me fez sorrir tanto, porém, como a inclusão de algumas dessas frases que apimentavam a cidade de Lisboa na altura e que, com o tempo, foram lavadas das fachadas, a encerrar uma época quente e, quem sabe, irrepetível na nossa História. Se isso é bom ou mau, nem o Paulo esclarece.


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