18/01/2015

Enred(ad)o

[a leitura de Esta noite Não Aconteceu por Carla M. Soares]


Há pessoas que vivem toda a vida como jogadores a quem a sorte sorri continuamente. Rosário Toledo sentia-se assim e, mais uma vez, o acaso pusera-lhe na mão a peça que lhe permitiria completar o seu puzzle...
pág 95




E nós, leitores, somos jogadores neste jogo? Que linhas seguimos neste labirinto de palavras e intenções? Que que peças nos são oferecidas?

Muitas, e soltas, com esquinas que não encaixam. Colidem asperamente e causam estranheza. Até que uma se move dentro da intriga e as outras vão caindo nos seus lugares, as arestas cortantes mas afinal coincidentes, no espaço curto de uma noite que não aconteceu. Ou aconteceu. Ou ambas as coisas. 

E se, no espaço de uma noite, todas as linhas cortadas abruptamente no nosso percurso viessem enredar-nos? Todas as nossas insuficiências? As nossas culpas, os nossos fantasmas, as consequências das nossas escolhas, as nossas perdas? E se nessa noite os outros da nossa vida, os que são da nossa vida mas não estão na nossa vida, nos batessem à porta a lembrar o que muito fizemos por esquecer? E se fosse negro o esquecimento? Se fosse assim, quando duraria cada hora? E se nada disto fosse senão ficção? 


É por isso que são muitas e longas as horas em Esta Noite Não Aconteceu, como são muitas e obscuras as peças do quebra-cabeças de uma realidade que não o é. Ou é. Nem a história de cada um, nem cada um são reais ou irreais: nem a escritora elegante de literatura light que já não deseja sê-lo, nem o jovem jornalista de intenções ocultas, nem o assassino ou a vítima que o serão ou não.  

Como sempre é na escrita, neste livro, tão pequenino, tão enredado e escondido como a jovem da capa, tão bom de ler, as palavras criam uma realidade completa dentro de si mesma. Nem verdade, nem ficção. 

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