13/05/2014

quase um perfil, pois sou péssima a desenho

[texto: Raquel Serejo Martins / fotografias: João Alexandre Pereira]

Pode um livro ser uma casa?
A pergunta que me fiz quando pela primeira vez vi a Cristina Drios, ao caso a fotografia (curiosa foto, curiosa Cristina), dentro d’ Os Olhos de Tirésias, dentro dos olhos de um cego (curioso título).
E de imediato a minha resposta, à quantidade de horas que passamos dentro de um livro, claro que um livro pode ser uma casa, mil janelas e mil portas, eu sei que é feio escutar às portas, mil histórias para lá das portas, das janelas, pelos corredores, no sótão, na garagem, no jardim, na casa do vizinho.

A Cristina nasceu em Lisboa, em Maio de 1969, e vive em Lisboa.

E entre Lisboa e Lisboa, a Índia do seu primeiro livro (de contos), a Birmânia, o Japão, o Camboja, o Senegal, Marrocos, Chile, a Guatemala, a Nicarágua e mais as serras para os lados da Lousã.

Fez liceu francês, licenciada em direito, exerce há vários anos na área da Propriedade Intelectual.
Fotógrafa amadora, viajante e leitora compulsiva, diz do tédio ser a mais incurável das doenças, e não sei se acredito no tédio dos seus dias, apenas na inevitável rotina.

Dos advogados diz a narradora e não sei se a escritora concorda, pois não são uma e a mesma coisa, e passo a citar o referido Tirésias a pág. 119: Ali ao lado há pessoas a trabalharem, os advogados, gente com a qual evito falar, nunca achando que sejam de carne e osso. Ouço-os discutir da presunção, da matéria da prova, da penhora, da injunção, não, não creio que sejam de carne e osso, falam com tanta assertividade, tão atarefados, tão ciosos, que me pergunto se se dariam conta caso ocorresse um sismo debaixo dos seus pés.
Again, curiosa Cristina!

Dos livros, diz a mesma narradora a pág. 122: Creio que, para se tornarem marcos miliários na vida do leitor, os livros carecem de uma leitura não só no tempo certo, como no local certo, como ainda, nesse tempo e local, abrindo campo a uma possibilidade latente, escondida, talvez mesmo rejeitada. Como o amor. Abrem-nos os olhos para um desejo, qualquer coisa a latejar cá dentro que não queríamos ou sabíamos exprimir. Ali está, preto no branco, e de repente tudo se torna claro, preciso e irrefutável, abre-se uma porta e daí em diante é impossível arrepiar caminho. Como se o diabo nos entrasse no corpo.

Mas antes do livro lido, conheci a Cristina Drios, o sorriso e os gestos simples, aos meus olhos quase tímidos, tenho o defeito de gostar de pessoas tímidas, gostei da Cristina (Drios!) à primeira, assim, sem mais, sem lhe saber a cor, o sabor, o cheiro preferido, tudo coisas a descobrir devagar, devagarinho, como um sambinha bom.

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