[texto: Raquel Serejo Martins / fotografias: João Alexandre Pereira]
Pode um livro ser uma casa?
Pode um livro ser uma casa?
A pergunta que me fiz
quando pela primeira vez vi a Cristina Drios, ao caso a fotografia (curiosa
foto, curiosa Cristina), dentro d’ Os Olhos de Tirésias,
dentro dos olhos de um cego (curioso título).
E de imediato a minha
resposta, à quantidade de horas que passamos dentro de um livro, claro que um
livro pode ser uma casa, mil janelas e mil portas, eu sei que é feio escutar às
portas, mil histórias para lá das portas, das janelas, pelos corredores, no
sótão, na garagem, no jardim, na casa do vizinho.
A Cristina nasceu em Lisboa, em Maio de 1969, e vive em Lisboa.
E entre Lisboa e Lisboa, a
Índia do seu primeiro livro (de contos), a Birmânia, o Japão, o Camboja, o
Senegal, Marrocos, Chile, a Guatemala, a Nicarágua e mais as serras para os
lados da Lousã.
Fez liceu francês,
licenciada em direito, exerce há vários anos na área da Propriedade Intelectual.
Fotógrafa amadora,
viajante e leitora compulsiva, diz do tédio ser a mais incurável das doenças, e
não sei se acredito no tédio dos seus dias, apenas na inevitável rotina.
Dos advogados diz a
narradora e não sei se a escritora concorda, pois não são uma e a mesma coisa,
e passo a citar o referido Tirésias a
pág. 119: Ali ao lado há pessoas a trabalharem, os advogados,
gente com a qual evito falar, nunca achando que sejam de carne e osso. Ouço-os
discutir da presunção, da matéria da prova, da penhora, da injunção, não, não
creio que sejam de carne e osso, falam com tanta assertividade, tão atarefados,
tão ciosos, que me pergunto se se dariam conta caso ocorresse um sismo debaixo
dos seus pés.
Again, curiosa Cristina!
Dos livros, diz a mesma
narradora a pág. 122: Creio que, para se tornarem marcos
miliários na vida do leitor, os livros carecem de uma leitura não só no tempo
certo, como no local certo, como ainda, nesse tempo e local, abrindo campo a
uma possibilidade latente, escondida, talvez mesmo rejeitada. Como o amor.
Abrem-nos os olhos para um desejo, qualquer coisa a latejar cá dentro que não
queríamos ou sabíamos exprimir. Ali está, preto no branco, e de repente tudo se
torna claro, preciso e irrefutável, abre-se uma porta e daí em diante é
impossível arrepiar caminho. Como se o diabo nos entrasse no corpo.
Mas antes do livro lido, conheci
a Cristina Drios, o sorriso e os gestos simples, aos meus olhos quase tímidos,
tenho o defeito de gostar de pessoas tímidas, gostei da Cristina (Drios!) à
primeira, assim, sem mais, sem lhe saber a cor, o sabor, o cheiro preferido,
tudo coisas a descobrir devagar, devagarinho, como um sambinha bom.
Sem comentários:
Enviar um comentário