O vinho, como a cerveja e tudo o mais por ali, era de boa qualidade, ainda que servido sem grandes alardes de higiene. A clientela era menos de olhar a mariquices dessas e mais de se servir do vasto cardápio de luxúria e javardice; não era, pois, sítio de se ter sol na eira e chuva no nabal, ou há finezas ou imoralidades, e havia muito que Consuelo optara por comércio destas, e a verdade é que em terra assim não se safaria tão bem noutras artes ou negócios.
O Intrínseco de Manolo (Pág. 59)
O que eu gostei neste livro: o intrínseco.
O intrínseco de Manolo, o intrínseco das restantes personagens, o intrínseco de Lugar de Cousa Vã, o intrínseco de Ciudad del Sol.
E este parágrafo serve-me de exemplo perfeito para ilustrar (puxar o lustro!) ao que estou a tentar explicar, sem muito desvendar, serve para constatar a impossibilidade de ter sol na eira e chuva no nabal ou, com mais um passo, ou há finezas ou há imoralidades.
E na procura do intrínseco o autor devasta as personagens até ao osso, para mostrar, desvendar, caso a caso, os defeitos de que são feitas.
Assim, a cada personagem o que lhe é intrínseco, a realidade para lá das aparências, a balança em desequilíbrio entre o bom e o mau, as minudências, o quotidiano, as certezas, as dúvidas, o prazer, o tédio.
Por fim, e sobretudo, o que gostei neste livro, o que me consolou como leitora: o esmero da linguagem.
Fernando Pessoa escreveu: A minha pátria é a língua portuguesa, e pela língua, desde o princípio da leitura, este autor faz-nos, se não alentejanos de nascença, pelo menos residentes desde sempre.
"Retrato de Fernando Pessoa", de Almada Negreiros |
Sem comentários:
Enviar um comentário