[Paulo M. Morais
e a Guerra Mundial]
Estremeci quando ouvi o álbum Let England Shake (2011) da PJ Harvey. Além de ser um dos álbuns
que vai ficar na história da música, pairava no ar, através das letras e dos sons
(um cornetim que parece tocar “ao assalto”...), a atmosfera da Grande Guerra.
Depois vieram os vídeos realizados por Seamus Murphy. Doze, um para cada
música, a funcionarem como um documentário de vestígios e consequências da
guerra na vida e imaginário inglês. É esta viagem intensa, vincadamente
emocional, que vos proponho no link abaixo, complementada com um escrito que na altura me
saiu, ditado pela audição compulsiva da faixa In the Dark Places.
GUERRA DE SONHO
Se vais para a guerra
pinta a cara de negro
(o sangue salpicado vai notar-se menos).
Se vais para a guerra
ouve música até ensurdeceres
(ficarás livre do estampido das bombas).
Se vais para a guerra
envelhece sessenta anos num mês
(mais vale morreres idoso do que adolescente).
Se vais para a guerra
recupera o hábito de escreveres cartas
(ajudarão a passar o tempo, mas nunca as envies).
Se vais para a guerra
despede-te de todos os que gostas e esquece-os
(talvez faças amizades no lado inimigo).
Se vais para a guerra
aprende antes o que dói matar alguém
(vai custar menos espetares uma bala na têmpora do
camponês desarmado).
Se vais para a guerra
imagina o melhor que consigas o que custa morrer
(para só te preocupares em salvar-te e não teres pena dos
que matares).
Se vais para a guerra
reza para nunca voltares de lá;
faces salpicadas de sangue ressequido
bombas a detonar no ouvido
família e amigos para reencontrar
cartas no bolso para ler e recordar
adolescente com corpo de velho acabado
réstia de alma dum soldado assombrado.
Se fores para a guerra
dorme na esperança de que seja apenas um pesadelo.
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