27/02/2015

PARA ACABAR DE VEZ COM A INOCÊNCIA

[Texto: Ana Saragoça]

A guerra que se iniciou em 1914 na Europa ia acabar com todas as guerras. Governos, imprensa, e sobretudo jovens partiram cantando em direcção aos campos de batalha, a uma vitória mais do que certa, como certo era o regresso antes do Natal. O massacre a que todas as partes foram submetidas teve a dimensão diametralmente oposta às expectativas, e, em 1918, expediu de volta a casa os poucos que restavam com incuráveis cicatrizes físicas e emocionais. Não mais se partiria para um conflito de coração ligeiro e canções na boca, não mais haveria certezas sobre bem, mal, patriotismo, medo, cobardia, traição. Geração Perdida se chamou àqueles farrapos humanos incapazes de vislumbrar qualquer esperança, qualquer encanto, no mundo que tinham deixado para trás, cegos e destruídos pelo gás-mostarda, emudecidos pelo horror. A Grande Guerra continua a ser uma, a primeira travada na Europa no século XX. Não a que acabou com todas as guerras, mas a que matou para sempre a inocência.

Graças ao tema deste mês na NAU, apercebi-me de que minha iniciação na grande literatura se deu precisamente com os autores mais afectados por este conflito brutal. Não foi uma iniciação deliberada: aos onze anos descobri a Colecção Dois Mundos, da Livros do Brasil, e fui por ali fora com um apetite devorador.

Deixo-vos alguns dos títulos por onde a Grande Guerra passou e que me marcaram de modo indelével. E duas canções dos anos 80 que até hoje sei de cor. E a certeza, agora mais que provada, de que as guerras só têm vencidos.  

Do que foi lido...

Somerset Maugham – O Fio da Navalha
Somerset Maugham foi condutor de ambulâncias na frente, e demonstrava uma temeridade que assustava até os próprios camaradas.

Roger Martin du Gard – Os Thibault
Além de traçar um retrato meticuloso da sociedade francesa antes, durante e após o conflito, é muito útil para compreender as origens profundas da guerra que desfez a Jugoslávia já nos nossos dias.

Thomas Mann – Montanha Mágica
Começou a ser escrito muito antes da Guerra, e esta transformou-o num livro totalmente diferente da pequena novela inicialmente pensada pelo autor.

Ernest Hemingway - O Adeus Às Armas
Hemingway é, dos grandes nomes desta geração, o único que detesto. Detesto com conhecimento de causa, porque me obriguei a lê-lo todo com a tenacidade adolescente de quem se sente culpado por não gostar de alguma coisa. Este é, juntamente com Por Quem os Sinos Dobram, o único que realmente me tocou.

Erich Maria Remarque – A Oeste Nada de Novo
O único que li escrito por alguém ‘do outro lado’, e que me tocou mais do que todos os outros juntos. De tal modo que, ao ler Os Olhos de Tirésias, me emocionei quando encontrei Remarque.

E ouvido...




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