28/02/2015

A GRANDE GUERRA na ficção portuguesa contemporânea

[texto: Cristina Drios]

Poder-se-ia pensar que um tema tão rico como da participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial ou Grande Guerra, cujo centenário agora se recorda, teria tido um enorme eco na produção literária contemporânea. No entanto, ao começar a procurar romances nacionais recentes enquadrados nessa época e temática, rapidamente percebi que muito havia ainda a explorar!...

Sobre “A filha do Capitão” (2004, Gradiva) de José Rodrigues dos Santos sei que, como eu, o autor passou, sem que isso se note no livro, pela propriedade onde esteve alojado o estado-maior português em Saint-Venant... 

Sérgio Luís de Carvalho também colocou em cena um capitão n’“O Destino do Capitão Blanc” (2009, Planeta) e na “Cruz de Portugal” (2011, Camões & Companhia), José Gonçalves apresentou uma personagem de origens humildes que haveria de singrar.

Um pouco farta de tantos capitães, foi então que encontrei um camarada de armas – um soldado que também sofria de uma terrível maldição e não passaria da cepa torta – que haveria de se tornar um grande amigo de Mateus Mateus: “O Soldado Sabino” (2012, Bloco Editora) de Nuno Gomes Garcia. Creio que mesmo depois de terminada a guerra, mantiveram esta amizade... 

E no ano de publicação de “Os Olhos de Tirésias” (2013, Teorema) conheci a dividida personagem de “A segunda Morte de Anna Karenina” (2013, Oficina do Livro) de Ana Cristina Silva.

Com o advento do centenário, outras personagens terão certamente sido dadas à estampa mas essas deixo-as à vossa descoberta. Boas leituras! 


27/02/2015

PARA ACABAR DE VEZ COM A INOCÊNCIA

[Texto: Ana Saragoça]

A guerra que se iniciou em 1914 na Europa ia acabar com todas as guerras. Governos, imprensa, e sobretudo jovens partiram cantando em direcção aos campos de batalha, a uma vitória mais do que certa, como certo era o regresso antes do Natal. O massacre a que todas as partes foram submetidas teve a dimensão diametralmente oposta às expectativas, e, em 1918, expediu de volta a casa os poucos que restavam com incuráveis cicatrizes físicas e emocionais. Não mais se partiria para um conflito de coração ligeiro e canções na boca, não mais haveria certezas sobre bem, mal, patriotismo, medo, cobardia, traição. Geração Perdida se chamou àqueles farrapos humanos incapazes de vislumbrar qualquer esperança, qualquer encanto, no mundo que tinham deixado para trás, cegos e destruídos pelo gás-mostarda, emudecidos pelo horror. A Grande Guerra continua a ser uma, a primeira travada na Europa no século XX. Não a que acabou com todas as guerras, mas a que matou para sempre a inocência.

Graças ao tema deste mês na NAU, apercebi-me de que minha iniciação na grande literatura se deu precisamente com os autores mais afectados por este conflito brutal. Não foi uma iniciação deliberada: aos onze anos descobri a Colecção Dois Mundos, da Livros do Brasil, e fui por ali fora com um apetite devorador.

Deixo-vos alguns dos títulos por onde a Grande Guerra passou e que me marcaram de modo indelével. E duas canções dos anos 80 que até hoje sei de cor. E a certeza, agora mais que provada, de que as guerras só têm vencidos.  

Do que foi lido...

Somerset Maugham – O Fio da Navalha
Somerset Maugham foi condutor de ambulâncias na frente, e demonstrava uma temeridade que assustava até os próprios camaradas.

Roger Martin du Gard – Os Thibault
Além de traçar um retrato meticuloso da sociedade francesa antes, durante e após o conflito, é muito útil para compreender as origens profundas da guerra que desfez a Jugoslávia já nos nossos dias.

Thomas Mann – Montanha Mágica
Começou a ser escrito muito antes da Guerra, e esta transformou-o num livro totalmente diferente da pequena novela inicialmente pensada pelo autor.

Ernest Hemingway - O Adeus Às Armas
Hemingway é, dos grandes nomes desta geração, o único que detesto. Detesto com conhecimento de causa, porque me obriguei a lê-lo todo com a tenacidade adolescente de quem se sente culpado por não gostar de alguma coisa. Este é, juntamente com Por Quem os Sinos Dobram, o único que realmente me tocou.

Erich Maria Remarque – A Oeste Nada de Novo
O único que li escrito por alguém ‘do outro lado’, e que me tocou mais do que todos os outros juntos. De tal modo que, ao ler Os Olhos de Tirésias, me emocionei quando encontrei Remarque.

E ouvido...




26/02/2015

O Regressado - por Carla M. Soares

Este conto não é novo. Foi publicado um pouco antes do Natal no blogue Crónicas de uma Leitora. Partilha-se aqui por ser, para além de um conto passado no Natal, um conto da Primeira Grande Guerra. 


Abriu a porta e saiu para a noite fria, abandonando atrás de si o calor da taberna e os sons familiares dos homens, risos e ruídos, pequenas discussões sem propósito nem consequência, o abandonar das tensões e dos medos nessa bolha de ilusória protecção, antes do regresso nocturno à família ou à casa vazia. O odor da neve substituiu o perfume azedo do vinho e ele respirou fundo. Arrependeu-se assim que o ar gelado queimou o seu caminho até aos pulmões, lhe afastou a indiferença do álcool como quem afasta de repente uma cortina e lhe revelou a exaustão absoluta e impiedosa que há muito lhe contraía os músculos. Espalmou a mão sobre a porta escura, agora fechada, para sentir a rugosidade antiga da madeira. Tinha vontade de ficar ali, onde não importava.
- Mas é preciso regressar.
Fora longo o caminho, quilómetros e quilómetros de comboio e a pé de França para a Serra, com essas palavras na boca e um desejo vago dos lugares e cheiros familiares. Queria chegar antes do Natal, era preciso um prazo a empurrá-lo e era quase tarde demais, ou talvez fosse tarde demais desde que partira, um no meio dos tantos que nunca regressariam. Por isso é que era importante voltar. Porque estava vivo. Voltou as costas à segurança da taberna. Os sons abafados das botas a esmagar a neve estouraram-lhe nos ouvidos. Agachou-se, contendo a muito custo o impulso para se atirar para trás de uma carroça parada na estrada e, ofegante, estudou a escuridão da rua e as janelas iluminadas, à procura da ameaça. A cabeça dizia-lhe que estava seguro, estava em casa, era Natal, mas corria-lhe pelas costas um suor frio e familiar. Fitou com incredulidade os pés, a desenhar marcas na brancura inviolada do nevão acabado de cair.  Neve branca e limpa de lama e porcaria. Neve da sua terra no cimo da Serra.
«Não é nada. Não é nada.» 
As palavras não diminuiram o ritmo do tambor de guerra que lhe rufava no peito. Tanto medo de ter dentro uma reserva eterna de memórias vivas.  Levantou-se devagar, temendo que o vissem de uma janela ou da taberna. Não queria que viessem saber o que se passava, não era nada, só a batalha no sangue e nos ouvidos. Os estampidos, as explosões, os gritos, a morte que, no seu silêncio, gritava mais alto que as sirenes.
«Não é nada, vai para casa enquanto podes.»
Ajeitou o casacão coçado que lhe fora passado de outro homem. Usava há muitos meses o casaco de um fantasma, grande demais para um homem como ele, que nunca fora alto nem forte e se via reduzido a pele e osso pelo muito tempo de trincheira, fome, frio e medo. Tantas vezes sonhara com a sopa de couves da mãe, com o cabrito assado do Natal. Tantas vezes tentara fechar os olhos e sentir na língua o sabor desse repasto… tantas vezes, em vão. Sentia o sabor da ração magra, da sua própria fome, da terra enlameada, da bosta e do mijo, da pólvora, do gás mostarda que deixava à sua passagem sempre um vestígio que se colava à garganta. Por vezes, achava que não se livraria dele e morreria envenenado um dia, daí a dez anos ou vinte ou uma centena. Que importava. Ia para casa. Ia para casa ou chegaria atrasado. Ignorou a escuridão e pôs um pé à frente do outro, como se fazia em cada batalha, o medo apertado na barriga e as pernas obedientes.
Nada mudara na forma como o granito se agachava contra o chão nem no modo como a luz do fogo na chaminé se escondia, tímida, por trás de portadas cerradas contra o frio do Inverno serrano. Tinha a mesma forma tosca e escura, o telhado irregular acachapado a deixar adivinhar a grossura das paredes de pedra que o suportavam, uma única porta cujas fendas a mãe escorava com feno contra as rajadas frias. Trepou os últimos metros de trilho escorregadio a tremer, quase sem sentir os pés e a mãos, sem saber se o que o deixava dormente era o frio. A casa parecia esconder-se dele. Talvez lá dentro também se escondessem da certeza de que filho e marido não regressaria. Do medo de que regressasse. Talvez não o reconhecessem, talvez já nem o quisessem, mãe e mulher tanto tempo abandonadas à sua sorte.
«E volto-lhes assim.»
Por fora vinha mais mirrado do que quando pastoreava na serra e se alimentava de pão, vinho, cebola, um naco de toucinho ou queijo, mas trazia o mesmo nariz afilado, as mesmas orelhas que se avermelhavam por tudo e por nada, a mesma face sempre escurecida por uma promessa de barba. Era por dentro que ele era outro, e esse saía-lhe pelos olhos e pela voz tantas vezes que nem sempre sabia qual seria ainda.
- É dos homens que trago comigo. – murmurou. Dantes trazia-se apenas a si e ao espaço aberto, trazia a melancolia e a a alegria de dias infindáveis entre o céu, o solo duro da montanha e os seus animais, noites entre as pernas da mulher. Agora eram as caras sem nome, as formas sem cara, os pedaços de gente que o preenchiam. Um ano e meio era pouco tempo no espaço de uma vida, muito tempo apertado numa trincheira, desde que chegara a França que não sabia de si no meio dos retalhos dos outros e agora não sabia bem quem tinham devolvido à família.
Chegou-lhe o perfume reconfortante da lenha queimada e o aroma delicioso do cabrito, um feitiço a chamá-lo. Andou mais depressa quase sem dar por isso e bateu à porta, com medo de abri‑la sem aviso e dar de caras com a caçadeira do pai com a cara da mãe por trás. A cara da mãe na ponta de uma caçadeira era uma qualquer cara alemã. Não, a cara da mãe, escura e mirrada, nunca seria uma grande e vermelha cara alemã, nem na noite de Natal, corada do vinho e do calor da lareira. Tinha visto muitas dessas caras coradas a sorrir como sorria a mãe no Natal, na consoada em que tinham cantado todos de um e do outro lado da terra de ninguém, espreitando do fundo das trincheiras, lembrava-se da estranheza das vozes, do medo enquanto uns e outros atravessavam essa terra de ninguém e se encontravam no meio, da impressão das palmas calejadas das mãos inimigas nas suas, as mãos eram iguais afinal ao trocar votos de Festas Felizes, a mesma alegria dorida, ao festejar sem cabrito nem família. Tinham sido companheiros por um instante, e matado uns aos outros dias depois, disparando como se pedissem perdão. Ao seu lado tombara no primeiro dia do ano um homem sem pernas, mais adiante um caíra por ser demasiado lento com a máscara de gás. Estremeceu, engoliu o sabor a morte que lhe subia das entranhas e bateu com mais força.
- Ó da casa! Abram, que sou eu. Ó minha mãe, é o João Tomé. Fidelina, sou eu… acho que sou eu. – Primeiro gritou, depois já não. Soprava com a testa encostada à aspereza confortável da madeira. – Minha mãe, abra a porta que tenho frio.
Abriu-se uma fresta e um olho escuro em meia cara muito pálida e lisa espreitou, desconfiado.
- Fidelina.
- João Tomé, és mesmo tu?
A porta abriu-se de repente e ele viu-se puxado para dentro, para a luz meiga das chamas, por mãos incrédulas que lhe apertaram o rosto, lhe deslizaram pelos ombros, a comprovar‑lhe a existência, a assegurar‑se de que era palpável. Sentiu-se um fantasma.  
- Rosa, é mesmo o seu filho!
Exclamações. Um grito. Braços sobre ele, uma gaiola de calor em seu redor, uma gaiola de lágrimas femininas, o seu nome gritado com alegria, a sua condição de filho e marido e regressado. Entrou em pânico. Por um instante lutou contra elas, empurrou mãe e mulher, que na sua alegria espantada mal notaram a resistência. Forçou-se a aquietar o corpo, à espera que amainasse essa explosão demorada de amor. Foi difícil. Conseguiu. Fidelina livrou-o do casacão.
- Vens tão magro, homem…
Sentaram-no à mesa e, com a diligência das cuidadoras, empurraram para a sua frente um prato cheio. O perfume antigo e forte do anho encheu-lhe o corpo. Atirou-se a ele como se não comesse há vinte anos. Talvez não comesse bem há vinte anos, cada mês na trincheira era uma eternidade. As mulheres viram-no devorar, levando a comida às próprias bocas num silêncio de perplexa maravilha. Fidelina fitava ansiosa o rosto encovado, à procura do marido. Queria ver-lhe os olhos, saber se ainda traziam por ela aquela paixão que nunca a deixava descansar.
- Deixaram-te vir para o Natal?
- Sim. Estou cá. Queria chegar e cheguei a tempo. Cheguei a tempo.
- Estás bem?
Ele ensaiou um sorriso que lhe saiu torto, um esgar. Sabia lá o que estava.
- Estou vivo.
Fidelina abriu a boca cheia de perguntas, a sogra sacudiu a cabeça. O coração de mãe dizia‑lhe que nessa noite era melhor calá-las.
- Pois vieste mesmo a tempo para a Consoada, isso é verdade. – afirmou, como se o filho tivesse ido só dali a Lisboa um mês ou dois – Daqui a pouco passa a carroça do Silvano e vamos à missa do Galo. Queres?
- Não, mãe. Estou cansado. – Recostou-se, com o calor das chamas a amolecê-lo e o peso do cabrito no estômago. Já não tremia, a não ser no fundo da alma.
-  Também não vou, mãe. – anunciou Fidelina, de olho no marido. – O senhor padre há-de entender.
O crepitar das chamas aprofundava o espaço vazio entre a mulher que tanto tempo esperara uma carta a fazê-la mais uma viúva na serrania, e o marido inesperadamente regressado.
- Tinha medo que não voltasses.
- Estou cá. Vim para o Natal. – repetiu, de repente vazio de objectivos. Fidelina entrelaçou à força os dedos nos dedos compridos e rigídos do seu homem. Era seu, havia de ser capaz de trazê-lo para si novamente.
- Rezamos tanto por ti e Nosso Senhor ouviu-nos, trouxe-te logo nesta altura! Foi tudo tão triste sem ti, João, sem sabor, sem nada. – Apontou vagamente para a comida, ainda em cima da mesa, e tocou nos lábios. – Estive sempre à tua espera, sempre, mas quando chegou a carta da Rosa…
A Rosa, viúva do Olegário, companheiro de infância, camarada de Companhia e trincheira. Só na morte não o seguira, o seu corpo intacto, o do outro desfeito. Estremeceu da cabeça aos pés. Os dedos quase se soltaram dos dela, mas Fidelina apertou-lhos e arrastou o banco para chegar-se mais. Ele quis fugir mas não fugiu, reconheceu-lhe o cheiro a mulher e a pó de talco que o intrigara desde a primeira vez que roçara por ela, para lhe sentir as carnes. Nenhuma das putas que o aliviara lá longe cheirava assim. Era o cheiro a casa e à sua cama.
- Tens que voltar? Não ficas?
Não disse nada. Tinha que voltar. Não voltaria. Viera à procura de um esquecimento temporário na casa da sua infância, prometido em cheiros familiares e garfadas de boa comida de pobre, e nas coxas da mulher. Depois falariam, antes levou-a para a cama atrás da cortina. Fidelina despiu-se, ele não. A madeira velha chiou sob o peso deles quando ela o recebeu, primeiro tímida, depois toda calor e entusiasmo. Era seu. Seu. Abriu-se a ele, deixou-o avançar, em cada investida, os horrores recuaram para um lugar mais escuro ao fundo da casa, curto e doce o esquecimento do amor.
- Vou fugir, Fidelina. – anunciou, gasto o fervor, as duas cabeças juntas na mesma almofada – Fico estes dias e depois vou-me. Não volto para França. Morro lá.
- Não fico aqui sem ti.  
- Não te deixava. Vens.
Lá fora, a carroça chiou. Fidelina saltou da cama, vestiu-se à pressa. A porta abriu‑se e deixou entrar a mãe e o perfume da neve. João sorriu. O medo vivia longe do aroma do Natal.
  


17/02/2015

Poesia nas trincheiras


Eu nunca estive numa guerra.
Eu não sei nada da guerra mas sei que uma guerra é uma guerra e que na guerra não há poesia, porém nas trincheiras, dentro de soldados ou de heróis, encontrei poetas.

“The Soldier,” by Rupert Brooke (1887-1915)

If I should die, think only this of me:
That there’s some corner of a foreign field
That is forever England. There shall be
In that rich earth a richer dust concealed;
A dust whom England bore, shaped, made aware,
Gave, once, her flowers to love, her ways to roam,
A body of England’s, breathing English air,

Washed by the rivers, blest by suns of home.
And think, this heart, all evil shed away,
A pulse in the Eternal mind, no less
Gives somewhere back the thoughts by England given,
Her sights and sounds; dreams happy as her day;
And laughter, learnt of friends; and gentleness,
In hearts at peace, under an English heaven.

O SOLDADO
Se eu tiver de morrer, pensai de mim só isso:
Que há algures no estrangeiro algum canto de campo
Que será para sempre Inglaterra. Tal rico
Torrão abrigará de pó mais rico um tanto;
Pó que Inglaterra criou, formou, tornou consciente,
Com flores para amar, caminhos para andar;
Lavado por seus rios, com a benção do sol quente,
Um corpo de Inglaterra a respirar seu ar.

Pensai que o coração, o mal todo arrancado,
Qual um pulsar no eterno espírito, devolve
Em um lugar qualquer aquelas reflexões
Que lhe deu Inglaterra, e tudo lá sonhado,
O riso pelo amigo ensinado e, lá onde
O céu é inglês, doçura e paz nos corações.





“The Hero,” by Siegfried Sassoon (1886-1967)

"Jack fell as he'd have wished,' the Mother said,
And folded up the letter that she'd read.
"The Colonel writes so nicely." Something broke
In the tired voice that quavered to a choke.
She half looked up. "We mothers are so proud
Of our dead soldiers." Then her face was bowed.

Quietly the Brother Officer went out.
He'd told the poor old dear some gallant lies
That she would nourish all her days, no doubt.            
For while he coughed and mumbled, her weak eyes
Had shone with gentle triumph, brimmed with joy,
Because he'd been so brave, her glorious boy.

He thought how "Jack," cold-footed, useless swine,
Had panicked down the trench that night the mine
Went up at Wicked Corner; how he'd tried
To get sent home, and how, at last, he died,
Blown to small bits. And no one seemed to care
Except that lonely woman with white hair.

O HERÓI
“Morreu exactamente como desejaria”,
Disse a mãe após ler e dobrar a missiva.
“O coronel escreve tão bem.” Mas quebrou-se algo
Naquela voz cansada que gaguejou num engasgo.
O olhar um pouco alçado: “Nós, mães, de um herói morto
Orgulhamo-nos tanto.” E o olhar quedou-se absorto.

Calado, o Irmão Oficial foi-se embora. Ele havia
Contado à pobre dama só piedosas lorotas
Que ao longo de seus dias ela alimentaria.
Enquanto ele tossia, os olhos da velhota
Repletos de deleite e triunfo haviam brilhado
Por seu bravo menino, o glorioso soldado.

Lembrou-se ele então como este inútil medricas
Apavorou-se quando aquela noite a mina
Explodiu em Wicked Corner; como não poupou esforço
Para que o enviassem a casa, e como, enfim já morto
E em pedaços, ninguém parecia se importar
Excepto a solitária velhinha de olhos no ar.



15/02/2015

O quinto Raimundo vem dos Açores

E eis que está publicado o quinto Raimundo no site Das Letras, desta vez com origem na velha Atlântida... digo, Açores!

É do Pedro Almeida Maia, e podem lê-lo aqui:


12/02/2015

Os artistas na GRANDE GUERRA.

[texto por Cristina Drios]

Durante a Grande Guerra, nas fileiras de ambas as coalizões combateram artistas, alguns já de renome e outros que viriam a sê-lo mais tarde. Entre eles – exceptuarei agora os escritores – encontravam-se muitos músicos: o violinista Fritz Kreisler; Maurice Ravel, compositor e pianista, que conduziu um camião na Voie Sacrée; Paul Wittgenstein (irmão de Ludwig, o filósofo), também compositor e pianista, que compôs uma peça só para a mão esquerda depois de lá ter perdido o braço direito. Dessas histórias de músicos, amadores e famosos, dá testemunho Dominique Huybrechts, autor de “Les Musiciens dans la Tourmente, Compositeurs et Instrumentistes face à la Grande Guerre”.


A par disso, os próprios soldados, que tinham de matar tempo nas trincheiras, entretinham-se a tocar, cantar, esculpir, desenhar. Em todos os museus, podemos ver peças estranhas, fabricadas com balas, obuses, metralha, que transformaram em obras de arte.

Ao passear numa feira de velharias em Saint-Venant (aldeia onde se encontra a propriedade que serviu de quartel-general português e que muito inspirou “Os Olhos de Tirésias”), encontrei um livro belíssimo, contendo reproduções de desenhos a carvão, água forte e aguarela, pintados pelos “poilus” (soldados franceses): “Croquis et Dessins de Poilus” é uma mostra dessa brilhante arte das trincheiras.

Mas Portugal também teve os seus artistas na Grande Guerra onde, nesse campo, se destacaram:

-   o capitão Menezes Ferreira, autor do livro “João Ninguém: Soldado da Grande Guerra, Impressões Humorísticas do C.E.P.” (tive na mão um exemplar de 1921 que me arrependo até hoje de não ter comprado... mas que acaba de ser reeditado em              fac-símile);

Adriano Sousa Lopes, gravador e pintor, o nosso “pintor das trincheiras”, de que parte das fabulosas águas fortes podem ser vistas – com autorização prévia – na sede da Liga dos Combatentes, em Lisboa. E é mesmo, a não perder!  

e o fotógrafo Arnaldo Garcez cuja obra está publicada pelo Estado Maior do Exército em “Imagens da I Guerra Mundial


   

08/02/2015

a guerra de PJ Harvey

[Paulo M. Morais e a Guerra Mundial]
  
Estremeci quando ouvi o álbum Let England Shake (2011) da PJ Harvey. Além de ser um dos álbuns que vai ficar na história da música, pairava no ar, através das letras e dos sons (um cornetim que parece tocar “ao assalto”...), a atmosfera da Grande Guerra. Depois vieram os vídeos realizados por Seamus Murphy. Doze, um para cada música, a funcionarem como um documentário de vestígios e consequências da guerra na vida e imaginário inglês. É esta viagem intensa, vincadamente emocional, que vos proponho no link abaixo, complementada com um escrito que na altura me saiu, ditado pela audição compulsiva da faixa In the Dark Places. 






GUERRA DE SONHO
Se vais para a guerra
pinta a cara de negro
(o sangue salpicado vai notar-se menos).

Se vais para a guerra
ouve música até ensurdeceres
(ficarás livre do estampido das bombas).

Se vais para a guerra
envelhece sessenta anos num mês
(mais vale morreres idoso do que adolescente).

Se vais para a guerra
recupera o hábito de escreveres cartas
(ajudarão a passar o tempo, mas nunca as envies).

Se vais para a guerra
despede-te de todos os que gostas e esquece-os
(talvez faças amizades no lado inimigo).

Se vais para a guerra
aprende antes o que dói matar alguém
(vai custar menos espetares uma bala na têmpora do camponês desarmado).

Se vais para a guerra
imagina o melhor que consigas o que custa morrer
(para só te preocupares em salvar-te e não teres pena dos que matares).

Se vais para a guerra
reza para nunca voltares de lá;
faces salpicadas de sangue ressequido
bombas a detonar no ouvido
família e amigos para reencontrar
cartas no bolso para ler e recordar
adolescente com corpo de velho acabado
réstia de alma dum soldado assombrado.

Se fores para a guerra
dorme na esperança de que seja apenas um pesadelo.


04/02/2015

A GRANDE GUERRA, a história e os seus intervenientes.


O romance “Os Olhos de Tirésias” tem como pano de fundo a participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial ou Grande Guerra, cujo centenário agora se recorda. Este foi, durante muito tempo, um tema non grato, mormente durante o Estado Novo, e por vezes, desconhecido de muitos portugueses.

Mas Portugal marcou presença em duas frentes de guerra, primeiro em África, na defesa das suas colónias, e a partir de 1917, na Flandres, para onde seguiu, em navios ingleses, e se manteve sob comando britânico, o Corpo Expedicionário Português (C.E.P.).

O sector português cobria cerca de doze quilómetros de frente e foi aí que, na madrugada de 9 de Abril de 1918, os alemães atacaram, lançando sobre a parte mais frágil das defesas inimigas, as suas divisões frescas e bem apetrechadas. A baptizada “Operação Georgette” alemã (que deu nome a uma das personagens femininas de “Os Olhos de Tirésias”) ficou assim conhecida na história portuguesa como um dos seus capítulos mais tristes, a Batalha de La Lys, nome do rio que dividia os contendores.

Este é, em minha opinião – por isso o escolhi para pano de fundo do meu romance –, um tema a aprofundar. Aqui vos deixo, assim, uma sugestão (não exaustiva!) de livros de autores portugueses para quem queira saber um pouco mais sobre esta parte da nossa história e dos seus intervenientes nela.

Em primeiro lugar, sugiro para uma contextualização histórica completa, “Portugal e a Grande Guerra 1914-1918” dos Coronéis Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes. Sugiro também “Das Trincheiras com Saudade, A vida quotidiana dos militares portugueses durante a Primeira Guerra Mundial” de Isabel Pestana Marques, um livro que nos descreve de forma vívida o dia-a-dia dos soldados portugueses nas trincheiras.  
















Por fim, dos muitos diários, testemunhos e relatos ficcionados escritos pelos intervenientes da época ressalto dois: “A Malta das Trincheiras, Migalhas da Grande Guerra 1917-1918” de André Brun e a  “Memórias da Grande Guerra” de Jaime Cortesão.




















Aqui ficam as sugestões! Boas leituras!

02/02/2015

NAU: ROTAS PERCORRIDAS, ROTAS SONHADAS


E eis que chega ao fim o primeiro ciclo de existência da NAU. 

Foram nove meses para oito autores (com pausa para banhos)oito autores que assumiram, à vez, o comando da embarcação, usando os seus livros como cartas de marear: abrimos caminho na Primeira Guerra com Os Olhos de Tirésias, de Cristina Drios, seguimos pelo Alentejo com O Intrínseco de Manolo, de João Rebocho Pais, ganhamos dias elevador acima, elevador abaixo com Todos os Dias São Meus, de Ana Saragoça, respiramos fundo e entramos em rebelião com a gente de Abril, com Revolução Paraíso, de Paulo M. Morais, voamos até aos Açores para um mistério, com Capítulo 41- A Redescoberta da Atlântida, de Pedro Almeida Maia, recuamos aos amores do século XIX com Alma Rebelde, de Carla M. Soares, suspendemo-nos entre a vida e uma morte anunciada em Pretérito Perfeito, de Raquel Serejo Martins, e fechamos o ciclo numa noite só, com Esta Noite Não Aconteceu, de Sónia Alcaso. Os autores NAU leram e escreveram sobre os livros de cada um com toda a honestidade e poesia de que foram capazes, fugindo sempre do elogio fútil e, quem sabe, falso.

Não tivemos muitas oportunidades de nos encontrarmos pessoalmente, mas aproveitámos até ao tutano as vezes que conseguimos conjugar horários, para podermos passar juntos umas horas em redor de uma refeição. Refeição sempre bem portuguesa, de iscas, alheiras e sardinhas, com queijo dos açores à mistura, nos dois jantares NAU em que trocámos impressões, sugestões, nos animámos mutuamente, e sobretudo dissemos o que cabia e o que não cabia e rimo-nos alto e bom som, como convém a um grupo de circunspectos e digníssimos literatos.

Os encontros com leitores, pessoais ou em conjunto, foram sempre gratificantes, é por eles, afinal, que nos vamos metemos na luta que é a escrita e sobretudo a publicação de cada livro. Não podemos, porém. deixar de destacar certa tarde memorável de verão, passada na Biblioteca dos Olivais com A Roda dos Livros. É uma felicidade trocar ideias com quem ama ler, que reflecte sobre o que lê e que tem ainda a generosidade de partilhar as suas reflexões com outros leitores e com os autores. Muito gratos pelo convite, que desejamos se multiplique noutros espaços e com outros leitores (ou no mesmo espaço com os mesmos leitores, porque não?)

E houve ainda o ‘Projecto Raimundo’, o desafio que nos impusemos de escrever um conto assente em apenas dois pressupostos comuns: a frase de abertura e o local de nascimento do protagonista. O resultado pode ser apreciado no site Das Letras, nosso parceiro de aventura, onde quinzenalmente tem surgido um ‘Raimundo’ que reflecte a sensibilidade de cada um dos autores da NAU.

Com estes primeiros oito meses de navegação, aprendemos todos muito uns com os outros, com quem nos lê e com quem nos publica. Foi uma viagem cheia de aventuras e alguns escolhos, e não a trocaríamos por nada.

Chegados ao fim deste primeiro ciclo, impunha-se a pergunta: e agora? Recolhíamos a aparelhagem e deixávamos a nossa NAU definhar em doca seca? Ou embarcávamos rumo a novas paragens? Ninguém manifestou vontade de abandonar o navio.

Nos próximos oito meses, vamos dedicar-nos a explorar a obra de cada um dos autores de outros pontos de vista. Isso significa que, em Fevereiro Cristina Drios volta ao papel de timoneira. O seu livro, Os Olhos de Tirésias, tem como cenário a Primeira Guerra Mundial, sobre a qual decorrem agora cem anos. Propomo-nos, sob a égide do soldado português retratado por Cristina Drios, explorar vários aspectos do conflito que deu o tom a todo o século XX.

Sigamos pois os passos de Mateus Mateus.