[Sónia Alcaso e a leitura de «Alma Rebelde»]
“A janela, mais alta do que um homem, abria-se para a escuridão. As cortinas pesadas não denunciavam a agitação, mas o vento incessante sacudia as ramadas das árvores contra as vidraças. Eram um muro contra a tempestade e o sopro ameaçador do vento, mas não podiam reter os sons, nem o calor. Há dias que não havia silêncio. O rugir implacável do vento na planície e o fustigar regular dos ramos contra os vidros, contra as telhas, contra as paredes, por dentro delas, magoavam os ouvidos. O vento uivava constantemente, soprando cinzas frias de dentro das chaminés, pelas lareiras abertas, para dentro das salas. Penetrava em todas as frestas da velha casa. Por vezes, levantava as toalhas e os tapetes, virava papéis e derrubava molduras. Era como se fantasmas gritassem, de dentro das paredes, o seu desagrado ululante.”
in Alma Rebelde (pág. 9)
No primeiro parágrafo é ele que reina: o vento (no casarão de Roussada). E começo por aqui, porque não posso deixar de mencionar o quão interessante me pareceu logo este elemento inserido nesta narrativa ficcional, talvez não por acaso: o tempo. Não só um tempo histórico, mas um também um tempo subjectivo, vivido ou sentido pela personagem principal, que flui em consonância com o seu estado de espírito. É com ele que a história começa e, na minha cabeça, durante toda a leitura, permaneceu este “rugir implacável do vento”, mesmo com o sol, a luz e as cores da nova casa.
Joana é-nos apresentada como uma mulher amargurada com o desconforto de viver numa época à qual não pertence, mas se submete – educada, como foi, para cumprir as suas funções de esposa. Estamos em pleno século XIX, em Lisboa, e temos como companhia personagens dentro de um certo contexto e situação social que gritam o tempo todo pelo limite psicológico onde transitam.
Carla M. Soares escreve de uma maneira deslizante e límpida, disposta a ir aos extremos das questões pessoais, dissecando valores e desejos.
Gosto do seu olhar atento à condição feminina - a mulher surge, aqui, como o protótipo do qual recairá sobre ela o pesado fardo de representar a ponta de um iceberg. Hoje em dia, uma parte do gelo já derreteu. Infelizmente, não todo.
A paixão pela literatura a unir oito novos autores portugueses. Somos o Cole©tivo NAU – Novos Autores Unidos. Embarquem connosco nesta viagem por livros e palavras.
28/11/2014
26/11/2014
Carla, Timidez, Ousadia, Rebeldia
João Rebocho Pais, que tarda mas não falha, traça o perfil da timoneira Carla M Soares.
É professora, e talvez por isso transporte para aquilo que escreve a mesma exigência que se impõe nos objectivos dos seus alunos: nunca se dar por satisfeita. Olhamos para a Carla e damos de caras com uma pessoa que aparenta calma. E no entanto, se destaparmos essa capa de serenidade, encontramos certamente aquela Carla que não desiste de uma certa dose de ‘ rebeldia ‘, alimentando a vontade de desbravar caminhos, seja ensinando, seja lendo, seja escrevendo. E por isso abarca todos os géneros e temáticas quando lê, captando talvez os ingredientes que necessita para se manter ao comando do barco que governa. Onde cabem os seus filhos, que a inspiram como pessoa, onde cabem outras mais, muitas mais, que um dia lhe caíram ao colo numa carreira profissional que abraçou quase sem dar por isso e onde descobriu a principal razão para nunca desistir: os alunos.
É professora, e talvez por isso transporte para aquilo que escreve a mesma exigência que se impõe nos objectivos dos seus alunos: nunca se dar por satisfeita. Olhamos para a Carla e damos de caras com uma pessoa que aparenta calma. E no entanto, se destaparmos essa capa de serenidade, encontramos certamente aquela Carla que não desiste de uma certa dose de ‘ rebeldia ‘, alimentando a vontade de desbravar caminhos, seja ensinando, seja lendo, seja escrevendo. E por isso abarca todos os géneros e temáticas quando lê, captando talvez os ingredientes que necessita para se manter ao comando do barco que governa. Onde cabem os seus filhos, que a inspiram como pessoa, onde cabem outras mais, muitas mais, que um dia lhe caíram ao colo numa carreira profissional que abraçou quase sem dar por isso e onde descobriu a principal razão para nunca desistir: os alunos.
Não teme um drama, mas não deixa de espreitar uma janelinha que possa trazer-lhe um
final feliz. Não se aventura a escrever poesia, e no entanto deixa-a voar livre e solta, lendo-a e tocando-lhe em lugar de escrita reservada aos mais próximos, um blogue onde acolhe com prazer quem partilhe o gosto pelas palavras.
Sendo professora, e sabendo que em casa de
ferreiro espeto de pau, levou tempo demasiado a compreender de si mesma a lição
que dá aos outros. ‘ Nunca te conformes, nunca desistas’. Pois se bem o pensou,
melhor o fez … ofereceu-nos já dois romances publicados, o terceiro a sair do
forno.
Carla .. para quando um salto mais profundo na poesia?
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23/11/2014
Alma Submissa
[A leitura de Alma Rebelde por Ana Saragoça]
‘Rosária
não tinha ilusões acerca da vida, era velha. Sabia. A vida era dura e só tinha
para oferecer as pequenas coisas, as satisfações do dia a dia, uma cama quente,
um estômago cheio, uma ou outra gargalhada, a amizade dos que a rodeavam. E não
era pouco, pois não? Mas Joana queria mais, queria… o que queria a sua menina?
A ilusão da liberdade, de que tantas vezes falava? Rosária não entendia. De que
servia a liberdade, de estômago vazio?’
Alma Rebelde, página 77
Até há menos de cem anos, era mais do
que normal: as filhas, fossem aristocratas ou plebeias, serviam de moeda de
troca para melhorar – e muitas vezes salvar – a situação da casa paterna. Não
vivi nesses tempos, mas imagino que, conquanto tal estatuto não fosse à partida
atraente, seria encarado e aceite como inevitável por quase todas as jovens. Mas,
imagino também, não por todas. Não por esta Joana. Só que a rebeldia de Joana é
tremendamente parecida com submissão. Sabemo-la rebelde apenas porque, ao longo
deste romance tântrico em que todos os estados de alma das personagens são
descritos até ao último pormenor, vamos acompanhando não o seu percurso externo
mas o que lhes passa pela cabeça.
Para mim, Joana personifica
perfeitamente a maneira de ser portuguesa, este nosso fado de resmonear
entredentes enquanto alombamos calados com toda a espécie de injustiças; o
lusíssimo ‘Vou, mas vou contrariado!’; o esperar, quase procurar obstáculos a
cada momento de felicidade só para poder dizer a seguir: ‘Eu sabia! Era bom
demais! Quando a esmola é grande, o pobre desconfia!’
Joana passa quase todo o livro com a
chave vencedora do Euromilhões na mão: um noivo que, apesar de imposto pela
família, a ama e é amado por ela. E o que faz? Olha constantemente por cima do
ombro, pensando que aquilo é para os Apanhados.
Há porém neste livro uma alma que
verdadeiramente leva a sua rebeldia às últimas consequências, arriscando a vida
e a dos seus filhos por amor. Só a conhecemos epistolarmente, é a
desventurada/aventurada prima Ester, que se lança de cabeça numa paixão
extra-conjugal:
‘Talvez
te tenha feito acreditar que a felicidade é impossível. Mas não é. (…) Espero
que não lhe vires as costas, por pudor ou por medo. A vida é um longo inverno,
para quem não conhece o amor.’ (página 197)
Põe os olhos na tua prima, Joana, e
suga-me esse Santiago até ao tutano.
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20/11/2014
Alma minha gentil...
[A leitura de Alma Rebelde por Cristina Drios]
“Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.”
Este soneto de Camões rodou na minha cabeça
durante toda a leitura do romance “Alma Rebelde” da Carla M. Soares. Confesso
que aos meus olhos, a tal “rebeldia” anunciada de Joana, personagem central do
romance, uma menina de boas famílias a quem, como soía ser no século dezanove,
foi exigido um casamento de conveniência, me pareceu tão gentil e inócua quanto
as suas impecáveis boas maneiras. Afinal, dos rebeldes esperam-se convicções,
confronto ou, no mínimo, uma opinião, um levantar de voz!... mas Joana apenas
se deixa levar pelo destino que lhe coube, obedecendo e baixando a cabeça a
cada passo. Talvez não pudesse ser esta Joana de outra forma, naquele meio e
naquela época, talvez..., apesar das ganas que me deu de entrar pelo livro
adentro e de lhe dar um forte abanão aqui e ali!... Em contraponto, a prima
Ester, personagem apenas entrevista nas linhas das cartas que trocam, sofre o
real drama de um casamento imposto com um Velho (o V maiúsculo é esclarecedor
quanto baste) que se desdobra num quotidiano de abusos e maus tratos. O romance
retrata assim, com subtileza, numa escrita escorreita e leve (mas nunca
leviana!), a condição da mulher, sempre subalterna e inferiorizada numa
sociedade patriarcal – condição essa que “democratiza” uma galeria de
inesquecíveis personagens femininas, as burguesas e nobres Joana, Ester e D. Ana, e as plebeias Rosária e Brites – .
Por debaixo da capa cor de rosa do relato dos amores e desamores de Santiago e
Joana, encontra-se o fresco rigoroso de uma época, cujos preconceitos e males,
ainda perduram nos dias de hoje: infelizmente, basta abrir o jornal e ler a notícia
de mais um crime hediondo de violência doméstica.
“Quem
me dera que Ester aqui estivesse, ela pelo menos deve compreender como me
sinto. Não me esconde que é infeliz, tantas vezes a encontrei a chorar. Sei que
o Velho a ofende e lhe bate muitas vezes. Será o que me espera? Um homem para
me bater? Para me trancar em casa e me fazer filhos, como o da Ester? (in Alma
Rebelde, pág. 13)
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século XIX
18/11/2014
20 confissões proustianas de Carla M. Soares
A minha ideia de perfeita felicidade
Ter tempo para mim e nenhuma preocupação, que inclui dinheiro para viver
regalada e a felicidade absoluta dos meus filhos.
A minha qualidade preferida num homem:
Qualidades, no plural: Inteligência, sentido de humor, amabilidade,
partilha. Hum. Parece-me que estou muito exigente.
A minha característica mais vincada:
A tranquilidade (infelizmente é só aparente).
A característica que mais me desagrada em mim:
Detesto achar sempre que o que faço não chega, nunca chega nem há-de
chegar, embora isso também me empurre e me obrigue a fazer mais.
A figura histórica com que me identifico mais:
São figuras, quantas delas anónimas… Identifico-me sobretudo com as
mulheres que, ao longo do tempo, têm lutado pela equidade de géneros.
Como gostaria de morrer:
De repente ou a dormir. Não gostaria de ver a morte a chegar.
O meu maior medo:
O sofrimentos dos meus filhos. A dor física ou a
doença grave.
A pessoa viva que mais admiro:
A Malala Yousefsay, pelo exemplo que estabelece
para todas as meninas e mulheres deste mundo. E por arrasto o seu pai, cuja
atitude perante as desigualdades e injustiças fez dela quem é.
A minha maior extravagância:
O tempo que roubo para mim e para a escrita. Tomar o
pequeno almoço fora sempre que tenho tempo para isso.
Quando e onde fui mais feliz:
Raramente olho para trás, para reflectir sobre
essas coisas. Seja como for, tenho sido bastante feliz nos últimos anos, aqui
mesmo onde estou.
O talento que mais gostaria de ter:
Cantar, acho. O meu actual talento é saber o mal
que canto e calar-me.
O meu bem mais precioso:
Dois filhos. Sem comparação. O meu bem material
mais importante é o meu computador, onde guardo zelosamente os meus outros
filhos, feitos de letras.
O que mais me desagrada nos outros:
No mundo? Que tantos sejam incapazes de entender
que neste mundo há outras perspectivas que não a sua. As desigualdades. A
opressão, seja em nome de ideais ou religiões. De forma mais directa, a arrogância e a presunção.
Um arrependimento:
Não sou de grandes arrependimentos, mas tenho pena
de não ter reconhecido e agarrado algumas oportunidades quando me surgiram, no princípio da minha vida, não
sei se por medo, preguiça ou ingenuidade.
As palavras ou frases que uso em demasia:
Vamos ver.
Se morresse e voltasse como pessoa ou objecto, seria:
Não quero voltar como coisa nenhuma, quero ficar como uma energia em
todas as coisas… A não ser que me façam alguma mesmo má, nesse caso quero
voltar mesmo como fantasma e ir, no escuro da noite, puxar os pés à pessoa.
Onde gostaria mais de viver:
Sou muito citadina.
A minha ocupação preferida:
Escrever, claro. É pena o pouco tempo que tenho para ela.
Os meus heróis na vida real:
Os que persistem nas condições mais adversas – os que lutam pela saúde,
liberdade, justiça e educação em países onde são raras e é perigoso
defendê-las.
O meu lema:
Há sempre amanhã.
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16/11/2014
A certeza das coisas intemporais
[A leitura de ' Alma Rebelde ' por João Rebocho Pais]
"... Um sobressalto constante, Assim foram os seus primeiros dias. Não que tivesse acontecido alguma coisa, pois os dias correram com uma tranquilidade assustadora. E não, ninguém a tratou mal, longe disso. A inevitável agulhada da humilhação não a trespassou, afinal ninguém a fez sentir-se a intrusa que era ... "
E. BERGER-REVAL - Uma jovem lendo |
Quando falei com a Carla, quando abordámos o Alma Rebelde percebi-lhe a vontade de reentrar neste seu livro, reescrevê-lo e trazer-nos a história noutros contornos. Porquê? ... perguntei-lhe.
Quando escrevemos algo, quando regressamos a esse algo que passámos ao papel, encontraremos sempre e inevitavelmente uma luz nova, uma cor, um desenlace ou descrição que melhor retratariam a coisa. Pois Carla, li o Alma Rebelde de enfiada, redescobrindo o prazer juvenil que a leitura desde sempre me trouxe. Fui querendo adivinhar o que viria e fui esbarrando nas minhas certezas, deixei-me levar por uma escrita que de um modo limpo e transparente me levou a um passado que hoje me parece ficção. A todos nós certamente.
Joana, Brites, Ester... poderia escolher outras mais, trazem-nos a certeza das coisas intemporais, por muita distância que imaginemos delas e de tempos simultaneamente longínquos e actuais. A beleza de uma história reflecte-se no tempo que proporcionamos ao leitor de se agarrar a algo e dele fazer sua vivência e interpretação. Quando essa história nos leva a viajar no tempo, nos traz locais e costumes que pensamos terminados, quando lemos e nos vemos parte da história, espreitando, escutando, desejando, desdenhando e recriminando coisas de personagens, então é porque o autor ou autora nos souberam levar até lá. E a tua 'Alma' levou-nos a todos, adultos e adolescentes, a experimentar a sensação de querermos arranjar espaço dentro de nós para um mundo de gente e personagens que tão bem desenham uma época, um manancial de costumes.
E, no dia em que deixarmos acabar esta perspectiva de escrita e leitura, de nos deixarmos ir de braço dado na aventura, teremos certamente abdicado de uma das fascinantes oportunidades que nos traz a leitura.
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13/11/2014
Uma alma livre
[Pedro Almeida Maia e a leitura de «Alma Rebelde»]
“Santiago deixou o cadeirão onde
se refastelara e veio apoiar-se descontraidamente no piano, enquanto Chopin
enchia o salão. A D. Ana, pareceria provavelmente distraído com o movimento dos
dedos nas teclas, mas Joana sentiu os seus olhos pousados sobre ela. Pressentiu
que observava mais a curva do seu pescoço do que o movimento das mãos, e a
vibração atravessou-a.”
(Carla M. Soares in
Alma Rebelde, pág. 137).
Escolhi este trecho por refletir
algumas das subtilezas usadas no discurso da autora, neste Alma Rebelde. A história situa-se na Lisboa do século XIX e é um
romance da burguesia dos casamentos prometidos. Joana e Santiago, destinados a
juntar vidas, passeiam-se pelo texto e extasiam o leitor, numa leitura quase
impossível de interromper, cadenciada, como se Carla fosse dona de uma batuta e
nós fôssemos a orquestra.
Carla M. Soares escreve como se
deseja ler, com expansão e atrevimento poético. A sua sensibilidade feminina
convida a uma viagem rumo à liberdade. Envolve as personagens e transforma a
frieza em calor, a desconexão em enredo, com uma simplicidade elaborada e
cativante. E o mais interessante é que esta história podia mesmo acontecer, no
seu tempo ou fora dele, algures em Lisboa ou noutro lugar, longe ou perto
daqui. Afinal, a felicidade pode estar em qualquer lado.
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11/11/2014
O amor já foi assim
[Raquel Serejo Martins e a leitura de «Alma Rebelde»]
O seu corpo era uma propriedade, como as casas da família, os móveis, as carruagens, o ouro e café do Brasil que o avô e o pai tinham negociado. Tinha sido educada para saber comportar-se e conversar socialmente e dançar, mas acima de tudo para obedecer.
In Alma Rebelde, Pág. 15
O seu corpo era uma propriedade, como as casas da família, os móveis, as carruagens, o ouro e café do Brasil que o avô e o pai tinham negociado. Tinha sido educada para saber comportar-se e conversar socialmente e dançar, mas acima de tudo para obedecer.
In Alma Rebelde, Pág. 15
- Nunca decidi nada na minha vida, Santiago. Quero dizer, já escolhi vestidos e flores, e livros… mais ou menos. Mas nunca pude decidir nada de importante… fiz sempre o que meu pai me ordenou, quando e onde e como achou conveniente. Estudei, convivi e casei como achou melhor.
In Alma Rebelde, Pág. 235
In Alma Rebelde, Pág. 235
Um romance sobre uma história de amor.
O amor já foi assim, não muito longe daqui, no
Portugal do século XIX, com pais mercadores a decidirem a conveniência do negócio.
E, talvez porque me incluo no género, gostei
muito das mulheres que encontrei neste livro, de perceber o lugar que cada uma
ocupa no tabuleiro e como se sentiam no lugar, no quadrado, que lhes foi destinado,
num tempo em que a palavra destino em função da classe social de origem tinha tanto
cabimento.
Assim temos Joana, a protagonista, e a sua impotência
ao ver-se obrigada a um casamento por conveniência, situação que chama a si de
imediato, comigo foi assim, a empatia do leitor, mesmo se excessivamente
dramática porque dada a sofrer por antecipação.
Ester, a prima, amiga e confidente epistolar,
que relata na primeira pessoa as vivências quotidianas de um casamento, por
conveniência, com o Velho, velho em todos os sentidos, protagonista de uma
história em paralelo.
Alice, uma amante
prévia do futuro marido, uma mulher independente que podia afirmar-se como
amante, não fosse porém, ao caso, a falta de amor.
Rosária, a ama de Joana, presente como uma
mãe, um rosário de carinhos e desvelos.
D. Ana, a sogra que viveu e vive a mesma
realidade, que vê história repetir-se, ou quase repetir-se, pois sabe, como
todos sabem dentro da nova casa de Joana, o quão pai e filho são diferentes.
Brites, a velha criada, como se uma avó do
menino, do futuro marido.
E não posso não falar de Santiago, mais livre
porém, em rigor, na mesma condição.
Santiago e Joana, dois pássaros cegos a voar
em torno um do outro, em colisão, em tentação, em desafio, em desabafos, um
namoro tão bonito de ler, os sorrisos do leitor perante os choques, os avanços,
os recuos, por perceber, quando ainda as personagens não sabiam que se moviam
pelas mesmas razões, pelos mesmos sonhos.
Enfim, uma história com final feliz apesar de
ter tudo para um final infeliz, porque o prometido marido é tudo menos o que se
esperava que fosse.
06/11/2014
livro do mês: Alma Rebelde
O livro que se segue foi escrito por uma senhora
que aos meus olhos tem a elegância de uma dama antiga e uma timidez azul, polvilhada
de insegurança, que me encanta, por tão bem lhe perceber as dúvidas.
Escreve de forma clara, farta e fluente, ao
que não deve ser alheio o facto de ser professora (assim ou ao contrário), pelo
que não me é difícil imaginá-la como timoneira de outros navios, a escola, a
casa, a família.
E Alma Rebelde é o seu primeiro livro, um
livro sobre uma rapariga que viveu num outro tempo ou um livro
sobre o tempo e a sociedade que calhou em sorte a essa mesma mulher.
Ou, como encontrei enquanto pesquisava (sim, eu pesquisei!,
vá, googlei só ), a autora em entrevista ao blog À Lareira Com… a desenhar o livro a traço grosso:
Okay, o que posso dizer que não estrague
a leitura? Que inclui cartas? Que a nossa Joana faz uns quantos quilómetros, de
carruagem e não só, em direção ao seu futuro? Que o Santiago, segundo me dizem,
é uma força da natureza?
E parece-me pouco, porque o livro é isto e
muito mais.
Alma
Rebelde
(romance, 2012, Porto Editora)
Carla M. Soares
Sinopse
No calor das febres que incendeiam a Lisboa
do século XIX, Joana, uma burguesa jovem e demasiado inteligente para o seu
próprio bem, vê o destino traçado num trato comercial entre o pai e o patriarca
de uma família nobre e sem meios.
Contrariada, Joana percorre os quilómetros
até à nova casa, preparando-se para um futuro de obediências e nenhuma
esperança.
Mas Santiago, o noivo, é em tudo diferente do
que esperava. Pouco convencional, vivido e, acima de tudo, livre, depressa
desarma Joana, com promessas de igualdade, respeito e até amor.
Numa atmosfera de sedução incontida e de
aventuras desenham-se os alicerces de um amor imprevisto... Mas será Joana
capaz de confiar neste companheiro inesperado e entregar-se à liberdade com que
sempre sonhou? Ou esconderá o encanto de Santiago um perigo ainda maior?
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