22/01/2016

Terminal NAU

Após alguns meses de deriva, os escritores do Colectivo NAU - Novos Autores Unidos decidiram desmantelar a embarcação. Agradecemos a todos os leitores que acompanharam e apoiaram as nossas navegações literárias. O escrito e dito continuará a estar disponível, como testemunho deste Colectivo. Continuação de boas leituras!

07/07/2015

Folclore Materno


Entre uma mãe e um filho                                                                     
um coração a bater fora do corpo
um novo horto,
os perigos, os medos, os sustos,
a falta de cartilha e solidão nenhuma.
O amor a tender para infinito
e a tentativa de explicar o amor ao mundo,
como se o mundo não soubesse,
quando o mundo está cansado de saber
ou não fosse assim desde que  o mundo é mundo.

Entre uma mãe e um filho,
uma erudição doméstica
feita em segredo, um camaleão invisível,
a roupa lavada, a cama feita, a mesa posta,
beijos nos dedos dos pés,
beijos nas pálpebras,
gestos milenares repetidos, tecidos
ao som de ancestrais sons de embalar.
E embalado o tempo passa,
tudo medra, cresce, envelhece,
o tempo sem ciência nem mistério,
e apesar da transparência tudo etéreo.


Entre uma mãe e um filho
a insolência da adolescência,
os dois sócios de uma empresa em aparente falência.
Sem cordão umbilical, o novo corpo quase do tamanho do original,
mais iguais os gestos, o nariz, a teimosia,
os afectos do avesso e saudades do menino travesso.
A mãe uma harpia, um novo léxico agora sem poesia,
palavras-pedra-granada-explosão,
contra um caduco vocabulário íntimo,
contra um sempre para teu bem
em todas as bocas de mãe.
Depois, porque as mães todas iguais
ou porque mãe há só uma,
nove luas e repete-se a aventura,
as palavras, como aves de migração, regressam às bocas
apesar da prévia promessa imprudente de que seria diferente.

(The Pugilist, Foto: Tracie Taylor)



Poema da escritora e maruja RAQUEL SEREJO MARTINS que fermentou e passou para o papel na sequência da leitura do livro Quando Fores Mãe Vais Ver da escritora e timoneira deste Abril ANA SARAGOÇA.

21/04/2015

Ai ai minha mãe

[A leitura de Quando Fores Mãe, Vais Ver por Carla M. Soares]

Todos temos uma, e salvo os irmãos, cada um a sua, e cada qual  parece que com as suas especificidades. A minha, Deus sabe, tem uma imensidade delas, e são umas para cima, outras para baixo, umas que não trocava por nada, outras que me levam ao desespero.

Ao ler este livro, porém, juraria a pés juntos que, pelo menos nalgumas coisas, temos todos a mesma. Assim uma gigante mãe comum com um glossário acumulado de mezinhas, frases e dizeres para todas as ocasiões. Não foram poucas as vezes que dei por mim a lembrar-me de situações em que ouvi expressões dessas que, com uma ironia tão terna, a Ana Saragoça compila, explica e ilustra. A maior parte delas, como filha rebelde que fui, não me agradaram nem um bocadinho - mas agora, à distância de uma vida, o reconhecimento fez-me rir com vontade. Isso e a boa disposição com que se contam certos episódios, alguns quase familiares - pois é, Ana, eu também não tinha autorização para brincar na rua e, se calhar, também eu tenho a agradecer a isso os livros que li e... pois, se calhar até os que escrevo!

E porque eu também sou mãe, dessas modernas que fogem a sete pés de repetir o que ouviram da sua, dei por mim a fazer caretas. Pois é, eu também já disse aos meus filhos (e alunos...)  "e se os outros se atirarem a um poço, também vais?" O certo é que quem não é mãe foi filha e, para mãe ou filhas, este livro é uma pérola. É preciso ler.. E depois não digam que não vos avisei!


Nem todos os realizadores de cinema-catástrofe do mundo, com orçamento ilimitado para todos os evfeitos especiais, conseguiriam apresentar obra que chegasse aos calcanhares dos filmes que a minha mãe faz na cabeça. E atenção: ela realiza varios por dia, reunindo água, terra, fogo, ar, sexo, droga, violência, espectaculares acidentes rodoviários, aéreos, ferroviários, marítimos, animais selvagens fugidos de circos ou de jardins zoológicos, e ainda duas personagens sinistras que têm lugar cativo no elenco e a que gosto de chamar os GG - o Gandulo e o Galfarro." (pág.81)

05/04/2015

O MAR DAS MÃES

Já se sabe que o mês das mães é em Maio, mas no Colectivo NAU é quando nós quisermos, portanto será em Abril, com o livro Quando Fores Mãe Vais Ver e Outras Pérolas do Folclore Materno, de Ana Saragoça.  

Trata-se de uma compilação nada científica e em grande parte autobiográfica de frases que a autora verificou serem grandes clássicos universais do léxico materno, desde o apocalíptico ‘Se engolires a pastilha morres’ ao profético ‘Um dia vais agradecer-me’, passando pelo dramático ‘Mas que mal fiz eu a Deus?’. O cunho mais pessoal chega-nos pela via das mui específicas Alentejanices, um misto de frases regionais com outras inventadas pelas mulheres da família da autora.

Confessamos: o objectivo da NAU é passar o mês de Abril a injectar subliminarmente doses de culpa filial nos leitores. Se o nosso plano maquiavélico resultar, as mães terão em Maio um Dia inesquecível recheado de flores, mimos e – claro – livros.  

22/03/2015

MUDAR DE VIDA

[a leitura de Dizem que Sebastião por Ana Saragoça

‘… um remoinho arrastava folhas e papéis pelo chão numa coreografia de esperança voadora: afinal, as coisas inertes não o eram, voavam até, vindas dali e voadas para acolá, como as memórias, como os velhos amigos, os reais e os dos livros, como as despedidas, como os chapéus que continham serpentes; afinal, tudo esperava apenas o momento de redemoinhar.’


Quem me conhece sabe que tenho um ódio de estimação pelos chavões new age: poucas frases me irritam mais do que ‘Tudo acontece por uma razão’, e à pergunta de bolso sobre o meu signo respondo invariavelmente que sou Imperial com ascendente em Tremoço. E nem a minha história de amor mais longa e satisfatória, aquela que tenho com os livros, me faz mudar de ideias, apesar de ser tentador pensar que tudo acontece por uma razão misteriosa quando:

  • uma frase lida num livro nos salva da morte
  • uma personagem literária é tão, mas tão parecida connosco que temos a sensação incómoda de que ou autor plantou microfones na nossa vida interior
  • uma personagem cresce e é feliz mesmo depois de ter cometido a mesmíssima asneira que acabámos de cometer e nos parece irremediável
  • um livro responde a perguntas que nunca nos atrevemos a formular em voz alta

Tudo isto já me aconteceu, e mais do que uma vez. A última foi com Paula, de Isabel Allende. Comprei o livro nos primórdios do século. Comecei por adiar a leitura porque sabia que abordava a morte da filha da autora - eu tinha sido mãe em 1999 e não conseguia sequer pensar em abordar aquele tema. Depois li um um outro livro de Allende em que já não reconheci a autora de A Casa dos Espíritos, mas a repetição de uma fórmula que se tinha esgotado. Há um mês e pouco, tive uma emergência matinal: acabara um livro na noite anterior, estava à pressa para sair de casa e ainda não tinha escolhido a leitura seguinte. (Nota: sair de casa sem um livro é prenúncio certo de catástrofe.) Assim, abri de rompante o armário dos LPL – Livros Por Ler -, peguei num às cegas e saí porta fora. Deu-se o caso de ser Paula, e de retratar ponto por ponto uma situação que eu estava a viver, e de dar voz também a muitas dúvidas minhas em relação à escrita.

Foi verdadeiramente o livro certo no momento certo, mas nada há de místico nisso. Os amantes da leitura têm sempre as antenas ligadas para tudo o que os livros lhes possam dizer. Por isso é natural que encontrem neles tantas respostas que não esperavam. As coisas não estão à nossa espera para acontecer, acontecem e esperam que demos por elas. É precisamente o que acontece ao protagonista deste livro, e aos seus mui auspiciosos encontros com a estatuária lisboeta. Enquanto ele procura naquelas figuras a resposta a uma única pergunta, vai recebendo lições de vida vindas de todos os lados. Não, não é magia, nem misticismo: acontece que Sebastião resolveu apenas abrir os braços, os olhos e os ouvidos ao que o cerca.

É verdade que tudo acontece por uma razão, mas a razão tem de partir sempre de nós, não de um universo vago e indiferente. E a vida muda inevitavelmente para quem decide mesmo mudar de vida.  
    

19/03/2015

Clic

[a leitura de Dizem que Sebastião por Sónia Alcaso]

“A cada mês que passava do previsto ano sabático, a casa de Sebastião ganhava novos contornos. Agora, havia livros espalhados pelo chão, mapas da cidade, horários de teatros, desdobráveis de exposições, anúncios de espectáculos. A ironia de ter desperdiçado grande parte da vida amealhando sem sentido dava lugar à certeza de que alguém escrevia direito por linhas tortas”.
(página 141,  “dizem que sebastião”)


Um clic num momento de vulnerabilidade e um homem, que antes não passava de um monte de ossos a viver da secura de meia dúzia de pílulas vitaminadas, ganhou uma nova engrenagem. Um desaire amoroso e um susto de saúde (podia ser qualquer outra coisa) e Sebastião rendeu-se à evidência... Rendamo-nos também nós!

Por solidariedade com a personagem, ou porque não passamos de comuns mortais, ao lermos este livro, muitas coisas acontecem e, por dentro, passamos a estar inteiramente com Sebastião. Espreitamos-lhes os gestos, acompanhamo-lo nos seus encontros com as estátuas dos escritores, bebemos-lhe os diálogos, solidários com a procura da verdade que ele não sabe onde está, mas que nós percebemos que está ali, espelhada pelas ruas de Lisboa. E, no fim de tantos percursos culturais, ficamos todos – nós e ele -, perante uma melhor compreensão de quem somos.

Quem tem a sorte de conhecer pessoalmente João Rebocho Pais, reconhê-lo-á, decerto, nestas páginas, na paixão pela literatura, no humor com que envolve as palavras e, sobretudo, na atenção que dedica à poesia que existe fora dos poemas.


15/03/2015

A Viagem de Sebastião



[texto de Pedro Almeida Maia]

Devia ter começado na aldeia alentejana de Cousa Vã, pela ternura do Intrínseco de Manolo, pela sua azinheira secular e pela magia da linguagem popular, mas eis que me chega às mãos a obra-prima Dizem que Sebastião. Começar pelo fim já não é cousa inédita, muito menos para homens de barba rija — como são os benfiquistas, nada nos mete medo. É de ausência de medo que João Rebocho Pais está munido.

Também conhecido como Red Jan, o autor e comissário-dos-céus lisbonense arranca parte da sua alma viajante e entrega-a — de bandeja — a Sebastião Breda, um executivo importante que vê a sua vida a andar para trás (daí começarmos pelo fim). Depois de um jantar desastrosamente divertido, Sebastião ouve o seu médico aconselhá-lo a parar, a mudar de vida. Nem imagino o autor na pele de Sebastião, nunca desejando o mesmo, mas admitindo que não gosta de gente mentirosa nem de demagogias. Mesmo não sabendo tocar música, João Rebocho Pais enche as estórias de melodias faladas, pausas inteligentes e mestrias orquestradas.

Num livro obrigatório para os amantes da literatura, não só por de um grande livro se tratar, mas também por ser um livro sobre outros livros, sobre outros escritores e as suas estátuas, João Rebocho Pais convida o leitor a uma viagem ao encontro de Pessoa, Eça e Luís Vaz. Mas não só. Entre os que Sebastião passa a conhecer, eis que surge a margem açoriana, inspiradora, a veia poética de Antero de Quental. E despertei para mais um regresso ao passado. Mais uma viagem às origens!

Se não conhecia Sebastião, quero conhecer Manolo e o seu âmago, porque João Rebocho Pais tuteia as palavras, as frases, com paixão tal que nos aprisiona, nos arrebata, com a entrega contemplativa e filosófica do mistério que é a vida. Mas não voa só: convida-nos a ver o mundo de cima, de fora da caixa. João Rebocho Pais dá-nos asas.

09/03/2015

O mês de Sebastião

[texto de Carla M. Soares]

João Rebocho Pais, autor de O Intrínseco de Manolo - que já foi livro do mês do NAU - não se ficou por aí. 



Em 2014, enquanto ainda nos deliciavamos com a primeira ronda de livros dos autores NAU, o marujo João avançava pela publicação do seu segundo livro, Dizem que Sebastião. 





Uma viagem pela cidade de Lisboa na companhia de grandes escritores…
Sebastião Breda, vice-presidente de uma multinacional, workaholic e quarentão abastado, percebe um belo dia que a vida lhe tem passado ao lado e decide remediar a solidão convidando uma colega para um jantar romântico. O problema é que a sua bagagem não vai além de estratégias de venda e planos de marketing – e o arraso que leva de Margarida à mesa do restaurante é humilhação bastante para que o seu coração acabe a pregar-lhe um valente susto. O médico recomenda-lhe então um ano de descanso, e Sebastião resolve aproveitá-lo a cultivar-se, fazendo, numa livraria da Baixa, um amigo que lhe dá bons conselhos e sentando-se junto às estátuas dos escritores espalhadas pelas praças e jardins de Lisboa, que, eloquentes à sua maneira, o iluminam sobre os mais diversos assuntos, entre eles, evidentemente, a questão feminina. Um ano depois, não se pode dizer que Sebastião seja o mesmo homem.
Depois do muito aplaudido O Intrínseco de Manolo, João Rebocho Pais regressa à ficção com um romance – divertido, terno e cheio de ironia – sobre a dicotomia entre números e letras e a pobreza intrínseca de algumas pessoas que só aparentemente são bem-sucedidas. Dizem Que Sebastião é uma homenagem aos livros e ao que podemos aprender com eles até sobre nós próprios.


Este mês de Março não vai ser só o mês que acolhe a Primavera na NAU, vai ser o mês do Sebastião. Vamos lê-lo e conhecê-lo, que o atraso, com o mês já quase a meio, não há de dimunuir nem o prazer da leitura, nem a vontade de levá-lo mar afora.


01/03/2015

O sexto Raimundo

Vamos no sexto Raimundo, e desta vez o mundo que viu  tem a voz de Raquel Serejo Martins.


Podem lê-lo no site Das Letras. É seguir a ligação aqui: